segunda-feira, 29 de agosto de 2011

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Os Caminhos de Laura - Capítulo XXXVIII

Após um ano dessa desilusão sofrida, em uma manhã de um lindo sábado de outono, mês de maio, com sol agradável, cheguei apressada na portaria do clube onde dava aulas de dança para adolescentes e adultos. Havia assumido essa atividade algum tempo depois do abandono de José. Naquele dia estava um pouco atrasada e ao entrar esbarrei em um rapaz que saía do clube, todo paramentado para alguma apresentação, e quase caí.
Ele segurou-me pelo braço delicadamente e pediu desculpas. Seus olhos muito azuis fixaram-se nos meus por um momento, e vi lágrimas neles. Sorri agradecendo e perguntei:
- Algum problema?
- Nenhum problema professora Laura! – respondeu ele saindo em seguida.
Entrei rapidamente, pois era essencial que tudo estivesse absolutamente no lugar quando a turma chegasse para a aula. Assim que coloquei o último detalhe em ordem os alunos entraram com a algazarra costumeira. Vendo-me começaram logo a posicionar-se para o início da dança, porque assim eu o exigia, e se não fosse dessa maneira, nunca conseguiria dar aulas. Todos queriam falar ao mesmo tempo, empurrando-se de cá para lá. Mas quando a música iniciava, e os passos da dança eram passados, ficavam concentrados e aprendiam bem depressa. Jovens aprendem depressa.
Notei na turma alguns novatos. Minha turma estava aumentando dia a dia, e isso poderia tornar-se um problema. Precisava falar com a direção sobre isso, no final, turmas muito grandes não são produtivas.
- Atenção! Vamos nos apresentar, porque hoje temos novos alunos. Comecemos da direita para a esquerda.
Enquanto todos diziam seus nomes um por vez, fiquei prestando atenção no moço do final da fila. Parecia ser tímido e humilde e muito mais velho que os demais, seus olhos tristes me olhavam. Mais tarde falarei com ele, pensei.
- Muito bem turma! Agora que todos já se conhecem, vamos dar início a nossa aula. Para os novos, peço que olhem para os companheiros ao lado. Quaisquer dúvidas peçam para esclarecer.

Ao final da aula, peguei a lista de chamada para as anotações de presenças e verifiquei que havia só três nomes novos, e foram quatro novatos que participaram da aula. Então pedi gentilmente:
- Peço aos novos alunos que se aproximem, por favor!
Todos eles vieram, empurrando-se e cutucando-se como era de se esperar. Atrás dos outros três veio o moço tímido, ficando parado um pouco afastado dos demais. Solicitei o nome dos três primeiros, e eram os que estavam na lista de chamada. Dispensei-os, e pedi para o rapaz tímido aproximar-se.
- Como se chama?
- Luan.
- Você gosta de dançar?
- Sim, muito, por isso quero aprender.
- Gostou da aula de hoje?
- Foi ótima.
Ele falava como se estivesse com medo, sem levantar a cabeça. Medo de não ser aceito.
- Que bom que gostou. Posso colocar seu nome na lista de chamada? - Seus olhos muito azuis fixaram-se em mim e ele perguntou:
- Será que posso? Afinal sou bem mais velho que o pessoal de sua turma. Mas gostaria muito.
- A idade não tem problema, até gosto que haja alguém mais velho para ajudar-me, esse povinho miúdo às vezes é difícil de lidar. A partir da próxima aula você está oficialmente participando da turma. – falei sorrindo.
Tratava todos meus alunos com muito carinho, pois dava aulas de dança por prazer, sem cobrar nada, nem dos alunos, nem do clube. Era por isso que minhas turmas eram sempre bastante procuradas.
Quando comecei a arrumar meus pertences em uma mochila para encerrar, o moço passou a ajudar-me todo prestativo, mas em completo silêncio. Ao término da tarefa agradeci e perguntei se tinha carona para a cidade, pois o clube era bastante longe do centro. Disse-me que não tinha, mas que arranjaria. Convidei-o então para levá-lo a sua casa e ele aceitou.
Meu carro era velho e feio, mas limpo e bem cuidado. O rapaz entrou e sentou no banco do passageiro, e aguardou-me enquanto eu conversava com um dos diretores sobre o tamanho das turmas, que ficou combinado seriam divididas por idade, e teria que dar três aulas por semana em vez de duas. Mas eu gostava daquilo. Seria um prazer.
Ao entrar no carro lembrei-me do rapaz.
- Muito bem! – disse eu. Vamos lá. Onde você mora?
- Vou lhe mostrar, é fácil, fica logo na entrada da cidade.
Tentei conversar, mas ele respondia por monossílabos, muito envergonhado. Sorri da timidez dele enquanto dirigia pela estrada um tanto esburacada. Quando chegamos à rua em que devia virar, ele indicou-me o caminho.
- É aqui que moro. Obrigado.
Desceu do carro, acenou dando adeus e entrou. Não pude deixar de notar a grande quantidade de flores que havia em um minúsculo jardim em frente. Era estranhamente desproporcional, já que a casa era bem pequena. Sorri para o moço e arranquei o carro.
Ao chegar a meu apartamento verifiquei a correspondência, pois recebia quase todas as semanas uma carta de minha filha que há um ano e meio fora morar e estudar em Londres, e essas cartas me davam muito prazer e alegria.
O telefone tocou, era uma de minhas amigas confirmando carona para o baile que seria logo à noite. Era sábado. Essa amiga ia sempre comigo e mais uma turma animada que dançava a noite toda. Meus alunos também se encarregavam de não deixar ninguém sentado. Os bailes sempre amanheciam, e todos chegavam a casa com o sol nascendo. Divertíamo-nos demais.  E eu era muito feliz.

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