A NASCENTE
I - ASCESE
16.
A brisa morna da tarde os envolvia em tão ternos sorrisos que Aboé e Margri quase se esqueceram de que o ventre da terra também se alimenta de terra.
- Forçamos paraísos alçados em ilhas, rodeamo-nos de amigos e seres de porte leve, mas, sempre ao pé de nossas terras os que não se desprendem das turvas evasões da larva. Dos seres humanos haverá o dia em que daremos conta. É seqüência da série de movimentos que atingirão o deus em algum ponto da guarda. Porém, do reino animal e vegetal... sempre viverão nessas entonações surdas e primárias ?
- O conhecimento é a defesa do homem.
- Bem o sei. E talvez a sua única esperança de firmar-se na felicidade.
- O navegar...
- Alçar-se às fímbrias do ser, moroso no deleite das águas de mares cristalinos. Estar no compasso das elétricas freqüências do radar do coração.
- Assim vive a beleza.
- Mas, enfim, e os seres de muito peso ? Sempre poderão te atingir ? Então a mente é porto inevitável de nossa guarda ?
- Só poderemos nos desvincular de seus compartimentos de método e dedução quando adentrarmos na monitoração de qualquer ser ou fenômeno. Quando a consciência principiar sua dança de elementos, muitas vozes da terra acabarão por se desvalir
- Será em estado de sonho que comandaremos a evolução. Retornados ao mesmo princípio, abertos ao radar e pulsar do mar e do ar.
- É um risco.
- Nem tanto. Somos muitos e diversos. Saberemos nos agrupar de forma a criarmos diferentes hordas.
- Não são lineares as leis da complexidade. Quanto mais nos aproximarmos de sua configuração, mas cientes estaremos de chegar à realidade em si.
- E poderá o Anjo pisar o mesmo solo pedregoso...
- Anjos já somos caso contrário não levantaríamos suas asas. Para resolver teus pupilos até o divisar do altar de Apolo você esteve imersa na razão cartesiana da pirâmide. Portanto, se conseguiu se deixar possuir pelas mesquinhas ventosas das quatro dimensões usuais, observou que mesmo estes corredores são de muito superiores ao ambiente de alguns primatas humanos e outros tantos animais. O que concluiu?
- Que a cada degrau da complexidade se esvazia muito da agressividade e tensão do ser. Mesmo relacionando-se em meio próximo às vazões do núcleo, mantém-se em objetividade e conhecimento do fato.
- Logo...
- Retornamos à tua afirmação anterior. O conhecimento. Só quando o salto for qualitativo a espécie passará a outra era de si mesma.
- Mas você quer saber como o homem comandará o meio...
- Ou se apenas o meio o comanda.
- Quando os seres humanos alçados ao seu espírito, tornarem-se, em sua coletividade, também anjos, além de domarem as feras, também transformarão o meio. A elevação da consciência em grande extensão só acontecerá quando os melhores perfumes se desprenderem das partículas da terra.
- E o mundo não começou no céu. Ascende-se à partir dos intestinos.
- É a discussão da metafísica. De qualquer forma nossos deuses alçados à luz , por meios que não distinguimos com precisão nessa luta terrestre , segredam-nos que o real de tua imagem está no vôo sem fronteiras e impedimentos. Não podemos duvidar de que exista um meio de completa propagação para a integridade.
17.
A lua descia sua calda vermelha sem importar-se com o canto do pássaro. Marés de alegoria agitavam-se na beira do lago. Aboé sonhava na sombra do Cálice. Não era possível ignorá-lo.
- A serpente nunca se esquece – estremeceu Margri. Desnuda-se quando supomos que se aniquila. O que a mantém tão viva nos processos do Cosmo ?
- Sobreviveu a muitas lutas pôr precisar de tão pouca luz. Consegue impor-se na melancolia e na paixão, rastejando pelos sulcos da sina. Satã é solidário no desvalimento.
- A espada do justo esquece, no afã de costurar o leito do inocente, de verificar o desprovido de boa constituição.
- Se em tua casa uivar uma alma sem pouso é inevitável que se deserde de pão e água o centro do altar. A medicina das almas ainda é primária de visão. Perdidos de seu conteúdo inconsciente os humanos não conseguem socorrer os que se perderam no caos.
- E os méritos do Cálice são sempre inválidos pelas desordens dos maus rebentos. A boa distribuição não é apenas aquela que se efetua sobre o terreno do solo.
- A lei da selva é ímpia e ignora perdedores. Só de arma na mão o valente demônio se faz conhecer.
- Sobre os escombros recomeça uma melhor edificação. Até quando vai o homem ignorar a si mesmo ?
- Até os portais da total aniquilação. Aí, enfim, vai se reconhecer como muito perigoso e acuar o espaço da fera. Conseguirá ler em seus olhos antes que ela apresente vitoriosa, a poucos metros de seu objetivo.
- O bem e o mal inevitavelmente se apresentarão para o conflito final.
- Enquanto a pureza e o talento forem bens colhidos no cume da pirâmide, isolados do caldeirão de suas raízes, a montanha encontrará uma forma de chamá-los ao combate. Bem conhece Saturno o poder do isolamento.
- E os signos da lua se sucedem, pois o satélite não se escusa a esclarecer a pompa dos desapercebidos.
- É melhor não ignorar o lodo cuspido ao fundo, demasiadamente extasiado nos arroubos da mente. Apolo é o príncipe condutor, mas, não pode evitar o falecimento de uma boa órbita, caso essa seja pouco instruída dos desmandos do núcleo.
- É maior a segurança daquele que se principia pelo coração. O tempo de consecução é mais longo, mas, levitará pela órbita do infinito. Terá se tornado a imagem do princípio e, ao configurar-se em tão boa base, nunca mais se chegará até as bordas do aniquilamento.
- Para bem estreitar-se no vazio é necessário fornecer-se ao mais profundo da vazão. Cada qual escolhe sua liberdade. A emancipação do meio, porém, só acontecerá pelo domínio da seiva de suas raízes.
18.
A quantidade de luz que advinha dos campos cansados era muito pequena. Alguma neblina misturava-se ao outono da colheita, e as dúvidas não cometiam nós ou nódulos, antes se inteiravam da verdadeira função de uma colheita.
- Parte das angústias humanas provém do olvido da serventia de nossos braços e pernas – afirmou Margri. O excesso de fulgores da mente nem sempre é o melhor lume da existência.
- Seria de boa entonação que eu concordasse com você. Mas, embora considere o cansaço do corpo um bom mérito para os excessos do espírito, acredito que o trabalho científico e intelectual, bem como a apreensão da realidade virtual pela arte, são os verdadeiros méritos da condição humana.
- Todas as grandes culturas assim se dignificam. Porém, como vivemos em sociedades de seres muito diversos, que genericamente atendem pela qualidade de humanos, a segurança daqueles que se mantém pelos méritos da transcendência é muito frágil.
- A pirâmide iniciou-se pelo trabalho escravo e sempre foi conflitada pela desigualdade. É fácil verificar, no entanto, que se o trabalho da terra e da manutenção for obtido em ambiente de dignidade, ele fornecerá amplitude mesmo aos grandes sábios. A bem da verdade, será correta a sociedade de auto-suficientes, homens e mulheres que conseguirem cultivar seus alimentos, manter o funcionamento de seus lares, e produzir, em meio a isso, extenso material e experiência nas margens da complexidade.
- E poderemos olhar para o outro sem nenhuma apreensão. Não invadiremos as peculiaridades de seus gestos, tampouco deixaremos que se cheguem até os nossos méritos interesses indevidos.
- As diferenças humanas geram muitos conflitos. Até que o atrator do ser convirja a espécie para um senso comum, a planificação nos moldes apolíneos é a consciência de mérito mais seguro. Pode-se não amar ao outro, mas, é exigência que se deva respeitá-lo. E manter-se à distância pode ser um bom dispositivo.
- No Bosque já nos munimos de muitas dessas atitudes. Desconhecíamos servos e reis e nenhum humano desgostava de si ou invejava a alma do outro. Tal percurso, porém, só será seguro com a participação da maioria dos humanos.
- A humanidade fará desse altar a sua hóstia. Podemos ser intensos sem sofreguidão. A criação intelectual não necessita de tanto sofrimento e dificuldade. Pode soltar-se nos fins de tarde de éter.
- Viver poderá vir a ser muito fácil.
- Em meio propício, para seres condizentes aos deveres do bom espírito.
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