segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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O encantamento em Olalla

Foi mais exatamente a parábola da vida de toda uma família que li naquela sucessão de faces e de corpos tão atraentes. Eu até então não tinha me apercebido do milagre da continuidade de uma raça; da criação e do renascimento; o desdobrar, o modificar e o despojar dos elementos carnais. Que uma criança nasce de sua mãe, que ela cresce, desenvolve-se por si mesma (não sei como) em humanidade, mas bebe da fisionomia herdada, e move sua cabeça à maneira de seus ascendentes.

Adentrei o amplo e requintado salão, e rumei escadaria acima. Tinha a sensação de que, apesar do profundo silêncio, alguém me seguia. Meu pé já deixava o degrau mais alto quando, subitamente, uma porta se abriu, e me encontrei face a face com Olalla. A surpresa deixou-me atônito, sua beleza assaltou meu coração; ela surgia das sombras de seu quarto, um brilho de luz; seus olhos se abraçaram aos meus e lá permaneceram, uniram-se fortes como num aperto de mãos; e os momentos em que ficamos a nos entreolhar, bebendo um do outro, foram sagrados como o casamento de almas. Eu não sei quanto tempo se passou até que eu despertasse daquele transe e, movendo-me com dificuldade, avançasse pelo corredor, passando defronte a porta de seu quarto. Ela não se mexeu, seus olhos vivos e penetrantes me acompanharam e, finalmente, quando deixei o seu alcance, senti como se ela própria desvanecesse, quarto adentro.

De súbito, percebi Olalla se aproximando. Ela surgiu por detrás de alguns arbustos, ao fundo do magnífico jardim, vinha em minha direção, e eu permaneci de pé, a esperá-la. Ela parecia, em seu caminhar, uma criatura com tanta vida, esplendor e leveza que me deixou encantado. Sua energia repousava na economia dos movimentos; por uma força inimitável, eu a percebia como se estivesse avançando em velocidade, como se ela quisesse correr em minha direção.

Então, por um momento, ela pareceu ter abandonado a sua firme resolução; tomou minha mão junto da sua, e movendo seu corpo levemente à frente, pouso-a sobre o seu coração. ‘Aqui’, ela disse, ‘você sente realmente pulsar minha vida. Ela se move por você, minha vida é sua. Mas ela é minha também? Ela é minha, certamente, para que eu a ofereça a você; e eu posso tirar essa medalha de meu pescoço, assim como eu posso extrair a muda viva de uma árvore e dá-la a você. E, apesar disso, não é minha! Eu vivo, ou penso que eu vivo (se é que existo de fato), numa outra instância; uma prisioneira impotente; eu sou levada, e sou arrastada, por algo maior, que eu mesma desconheço’.

‘Sou eu quem você ama, amigo? Ou a raça que me produziu? A garota que você não conhece, e que não pode responder pela ínfima parte dela mesma? Ou o fluxo da qual ela não passa de um transitório remoinho, a árvore da qual ela é senão um fruto passageiro? A raça existe; ela é antiga e é sempre renovada; carrega em seu peito eterno o destino; e através dele, como as ondas sobre o mar, indivíduo sucede indivíduo, revestidos de aparente autocontrole, mas eles não são nada’.

‘Lembre-se mim de vez em quando como alguém a quem as lições da vida foram ensinadas de forma demasiadamente severa, mas que soube suportá-las com coragem; como alguém que o mandou embora e ainda assim gostaria de tê-lo mantido para sempre ao seu lado; alguém que não tem esperança senão a de esquecê-lo, e não tem medo maior àquele de ser esquecida’.

A fábula gótica “Olalla” foi publicada originalmente na edição de Natal da “The Court and Society Review” no ano de 1885. O texto, em primeira pessoa, é narrado pela personagem anônima do soldado ferido que viaja para o interior da Espanha e hospeda-se num casarão, por recomendação de um padre, para a sua recuperação; uma fantástica e tocante história do amor místico desse jovem militar pela misteriosa Olalla, uma adolescente de beleza estonteante, cuja família guarda um terrível segredo.

Robert Louis Stevenson, o autor de “Olalla”, faleceu prematuramente aos quarenta e quatro anos de idade, ao terceiro dia de dezembro de 1894, vítima de tuberculose, em Apia, nas Ilhas Samoa onde, apaixonado pela paisagem paradisíaca, estabeleceu residência. Stevenson, escritor de romances, roteiros de viagens e poeta, casou-se com Fanny Van de Grift Osbourne (1840-1914) em maio de 1880, e viveu com ela até o fim de seus dias. Ele nasceu ao décimo terceiro dia de novembro de 1850 em Edimburgo, na Escócia, filho de tradicional família de engenheiros civis, mas não seguiu a profissão.

Os trechos de “Olalla”, selecionados e apresentados acima em tradução livre, denotam a excelência da habilidade narrativa de Stevenson, além de profunda humanidade e sensibilidade, características marcantes em sua obra.

Muita vez os acontecimentos não nos parecem justos. Mas não é justo pensarmos isso. Afinal, a justiça não habita a superfície; e sendo grave a sua natureza, há de residir na essência que move o universo dos eventos.

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