Mais tarde, já noite, a casa em ordem, a roupa do baile na lavanderia, um lanche na mesa, a campainha da porta tocou. Era Luan!
Pedi que entrasse porque os olhinhos azuis pareciam estar imensamente tristes. E não sei por que, eu sentia um grande carinho por aquele rapaz humilde, quieto no seu canto, sempre de olhar triste, como se o mundo lhe pesasse nas costas. Pedi que me acompanhasse até a cozinha e convidei-o para o lanche que estava fazendo.
A esta altura de nosso relacionamento amigo, já sabia que ele morava só com a mãe que era separada do marido. Seus irmãos mais velhos eram casados, sua irmã solteira trabalhava fora da cidade. Ele trabalhava ganhando pouco mais de um salário mínimo. Em cidades pequenas é assim mesmo. A maioria ganha o salário mínimo. Com esse dinheiro Luan ajudava a mãe que não recebia nenhuma pensão. Viviam pobremente, mas ele tinha grandes sonhos!
Quando nos sentamos para o lanche perguntei:
- Posso saber o motivo desses olhos cheios de lágrimas?
Um pouco relutante contou-me que havia terminado com a namorada, uma moça que participava do nosso grupo de dança. Conhecia a moça. Não era muito bonita. Então consolei o rapaz:
-Deixa pra lá! Existem muitas outras por aí e você terá oportunidade de conhecê-las. Vai ver! Tudo volta ao normal.
Desse dia em diante Luan passou a ser ainda mais meu companheiro. Acostumei com a sua presença silenciosa e prestativa. Ajudava-me quando tinha algum problema doméstico, como trocar lâmpadas, mercado e outros afazeres. Estava sempre ali, pertinho. Quando ia para o trabalho passava por meu escritório para dar alô. Quando voltava passava para ficarmos horas a fio conversando, ou simplesmente olhando a praça através da janela. Isso sem contar as aulas de dança, os bailes, as festas, passeios, compras. Tudo. Sempre juntos.
Certo dia estava em meu escritório trabalhando a fundo em uns processos que precisava levar ao Fórum naquela mesma tarde, quando chega a mãe de Luan toda vermelha, suada, abanando-se. Sem pedir licença foi sentando em frente a minha mesa, não dando a mínima para meus funcionários que olhavam para ela sem saber o que fazer. Cumprimentei-a gentilmente. Ela foi logo falando:
- A senhora está atrapalhando a vida de meu filho, quero que pare com isso.
Fiquei encabulada diante de meus funcionários, pois a porta de minha sala estava aberta e dava para ouvir tudo. Levantei e fui fechar a porta.
- Desculpe! – disse ela com a voz alterada – mas a senhora tem de entender o que sente uma mãe, e a senhora é uma mulher quase velha.
Lembrei que realmente já não era assim tão jovem. Coisa que a mim não importava muito, porque decidira ficar sozinha depois de meus erros em aceitar homens que não amava, e prometi a mim mesma que nunca mais teria outra pessoa comigo. E o que fazia de minha vida só a mim interessava. A ninguém mais. E que conversa era aquela? Porque o medo que aquela senhora tinha? Luan era amigo e companheiro de festas. Nada mais!
Por isso respondi:
- Senhora! Nem sei bem do que a senhora está falando. Mas se está se referindo ao Luan, eu o trato como os outros alunos e gosto dele como tal, e é claro que ele também deve pensar assim. Apenas gosto mais dele que os demais. Só isso.
- Não! – disse ela enfaticamente. Ele não pensa assim. Ele quer casar com a senhora.
Naquele instante fiquei sem fala! O rapaz tímido? Quer ser meu marido?
- Meu Deus, senhora! Isso é um absurdo!
- Não é não! Eu já vi tudo! Ele quer mesmo a senhora como mulher dele.
- Ele lhe falou isso?
- Falar não falou, mas eu vejo, não sou burra.
Falando assim, levantou-se e saiu de minha sala pisando duro sem se despedir.
Olhando pela janela vi a figura atarracada da senhora que atravessava a rua e fiquei apreensiva e com pena dela. Ela estava com medo de perder seu bem mais precioso, e eu não a culpava por isso.
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