segunda-feira, 10 de outubro de 2011

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Os Caminhos de Laura - Capítulo LI

Ah! Aracê! Ela foi uma dádiva em minha infância e juventude. Tivemos tantos momentos maravilhosos que marcaram para sempre. Ela era de origem índia e tinha alguns costumes diferentes dos nossos, mas que eu gostava. Embora os pais dela fossem católicos, mantinham entre eles rituais herdados da antiguíssima tribo a que pertenciam. Quando nos machucávamos nas brincadeiras, ela corria para a beira do riacho e pegava algumas ervas que só ela conhecia, macerava, friccionava nos machucados e eles saravam sem deixar nenhuma cicatriz. Ou quando corria atrás de algum animalzinho do bosque e conseguia alcançá-lo sem dificuldade, mas não lhe fazia nenhum mal. Nas noites de lua crescente até a lua cheia, fazia algumas oferendas a Deus para ter sucesso na escola, em algum trabalho que estava realizando ou para a saúde de alguém. Quando crescemos, os rituais eram para arranjar namorados ou fazer as pazes com amigos com quem havíamos brigado por motivos bobos. Até hoje ainda conservo algumas dessas crenças da juventude, como ir levar pão para os pobres no dia de Santo Antonio em agradecimento a alguma coisa que recebi, ou para pedir mais alguma coisa que acho ser imprescindível. Estamos sempre pedindo alguma coisa a Deus que achamos necessário nas nossas vidas, mas que logo adiante vemos que não foi tão imprescindível assim. Vai lá saber se os Santos estão assim tão disponíveis para atenderem tanta gente, mas como dizia meu pai, mais vale a fé que o pau da barca.
Agora, veja bem, se pedir a Deus diretamente, com fé ou sem fé, isso aí sim, tenha cuidado ao pedir, porque mesmo Jesus disse: "tudo o que pedirdes ao meu Pai em meu nome, ele vos concederá". E concede mesmo. Tudo o que pedi em minhas orações, que fossem para o bem das pessoas, consegui. Até algumas coisas que pedi para mim, mas que mais tarde percebi não terem sido exatamente o meu desejo real, mas consegui. Pior para mim que não soube direcionar meu futuro com meus pensamentos criadores. Paciência!
Aracê depois que saiu da fazenda para morar no Rio de Janeiro com Roberto, casou e teve um filho dois anos depois. O filho que ela disse ser médico agora.
Papai sempre os ajudou enquanto viveu, porque logo depois que ela fugiu com o namorado, o pai dela teve um problema cardíaco e faleceu. Os dois muito jovens precisavam de um apoio, e meu pai o deu.
Depois que papai morreu perdi o contato com eles. Atravancada com meus próprios problemas não percebi o tempo passar e negligenciei as pessoas que me foram caras em outros tempos. Tantas mudanças, tantas novas moradias fiz pelo país a fora que ficava difícil contatar todo mundo. A princípio até tentei, mas depois desisti. Agora gostaria muito de saber o que se passou na vida daqueles dois nesses anos todos.
Quase um mês depois desse contato recebi um telefonema de Roberto, marido de Aracê.
Inconsolável ele me contou que quando voltou do exterior encontrou Aracê hospitalizada. Um grave problema cardíaco, que por ter sido detectado tardiamente, não foi possível controlar e ela faleceu. Só agora depois do enterro, olhando os pertences dela encontrou meu telefone para avisar. Pediu desculpas e desligou.
Novamente as lágrimas desceram copiosamente da reserva inesgotável de meu ser. Mais uma perda! Mais alguém lá em cima para me esperar. Alguém que por certo ao saber que estava doente, tentou pedir minha presença para desabafar seu sofrimento e acalmar a saudade, mas nada fiz, fiquei perdida no meu egoísmo pensando que só eu sofria.
E então dona Laura? Ainda não percebeu que se deve aproveitar a felicidade junto das pessoas enquanto elas estão ao seu lado aqui neste plano terreno? Depois que elas se foram, nada mais adianta. Nem mausoléus de ouro.

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