sexta-feira, 21 de outubro de 2011

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Os Caminhos de Laura - Capítulo LIV

Em uma tarde qualquer estava no shopping, sentada nos fundos de uma praça de alimentação esperando o lanche que havia pedido ficar pronto. A lanchonete estava quase vazia há essa hora, momento que gostava de ficar ali olhando pela grande janela que dava para um visual digno de um pintor caprichoso. Ficava na cobertura, e a vista da mesa a que me sentava era de tirar o fôlego. Absorta na paisagem não percebi que alguém parou em pé a frente da mesa.
- Boa tarde!
Levei um susto. Tirei os olhos da imagem envolvente nas colinas lá adiante e educadamente respondi:
- Boa tarde!
- Posso sentar-me?
Olhei a minha volta e vi tantas mesas sem ninguém, que me deu vontade de dizer ao cavalheiro que não podia se sentar. Naqueles momentos que ia ali para dispersar meus pensamentos gostava de ficar sozinha.
- Posso? – insistiu ele.
- Tudo bem. Sente-se.
Sem muito interesse olhei para a pessoa. Era um homem de idade indefinida apesar de seus cabelos brancos. Alto, porte atlético de pessoa que faz academia ou pratica corridas, ou coisa que o valha. Bem vestido, e quando sentou seu perfume suave atravessou o pequeno espaço da mesa que estava entre nós.
- Desculpe-me atrapalhar sua meditação, ou talvez contemplação da paisagem. Meu nome é Ricardo.
- Prazer senhor!
Seu riso foi comunicativo e franco.
- Quanta formalidade! Pedi um lanche e espero que possa acompanhá-la.
- Já estava de saída – falei.
- Não acredito! Vi que seu lanche ainda não chegou e foi por isso que me aproximei na esperança de poder conhecê-la.
Sorri amarelo. Lá vem ele com o papo bobo, pensei.
- Olha – disse ele – vamos conversar um pouco, e depois se você realmente precisar sair eu compreendo. Mas me deixe fazer o lanche aqui, às vezes me sinto tão só e você parece ter uma boa conversa.
Agora ri abertamente. Papo gordo mesmo. Antigo e sem graça. Mas já que os lanches estavam chegando, não perdia nada em comer ouvindo o que senhor simpático tinha para falar.
- Tudo bem!
Sem perguntar nada ele começou a falar enquanto me oferecia mostarda para meu sanduíche.
- Me aposentei a semana passada. Hoje faz oito dias.
E mordeu o sanduíche de atum com mostarda com classe. Digo com classe, porque hoje em dia todos comem suas refeições ligeiras como essas, de forma a parecer que o mundo vai acabar logo ali na frente, e eles não podem perder o espetáculo. Também mordi meu sanduíche com classe então.
- Bom! – disse ele, referindo-se ao sanduíche.
Comemos em silêncio.
- Muito bom! - ele falou novamente se referindo ao lanche – fazia muito tempo que não comia um sanduíche de atum com tanto sabor.
Ri amarelo de novo. Agora só falta ele dizer que o sanduíche estava bom porque estava comigo.
- Bem! Já que você não perguntou nada, nem me disse seu nome, e ainda não terminou de comer, vou me apresentar novamente. Meu nome é Ricardo, sou aposentado recentemente, viúvo há dez anos, com um único filho casado que mora e trabalha nos Estados Unidos. Portanto sou só aqui no Brasil, carente de amizades porque os colegas de trabalho agora já não irão se importar se existo ou não. Você deve saber que toda pessoa que se aposenta se não tem uma família, está ralado e passado em peneira fina.
Fui obrigada a rir. Afinal o homem além de bem apessoado era espirituoso, e saiu do lugar comum.
- Meu nome é Laura. Faz muitos anos que não trabalho, e sou dependente de um caridoso ex-marido que me sustenta, a mim e a minha filha, que por sinal também é dele.
- Puxa! Afinal ouvi sua voz além do "boa tarde" de há pouco. Vou explicar porque insisti em sentar-me aqui, quando tem tantas mesas com outras pessoas, ou vazias esperando para que alguém as ocupe. Em algumas ocasiões que aqui estive ainda quando trabalhava, percebi sua presença sempre nesse mesmo local. Você gosta da vista linda que daqui se vê, não?
- É! Gosto realmente. É um cantinho aconchegante.
- Pois é! Então, hoje foi o primeiro dia de minha ociosidade que me senti deveras sozinho. Aí saí de casa sem rumo e passei a rodar pela cidade. Ao passar a frente desse shopping lembrei que poderia fazer uma boquinha aqui. Quando você entrou e pediu seu lanche eu ainda não sabia o que comer, estava naquela mesa ao fundo lá atrás esperando uma inspiração. Aí levantei e vi você dirigir-se para esse local onde já a havia visto antes. Pedi o lanche e o resto você sabe.
- Então o senhor Ricardo Solitário pensou: "vou bater um papo sem compromisso com a madame sem graça para passar o tempo".
Ele riu muito antes de dizer:
- Como adivinha os pensamentos dos outros? Assim não vale! Vou reclamar no departamento nacional das bruxas, onde seguramente você está inscrita.
Rimos os dois da brincadeira.
Conversamos mais algum tempo, e aí pedi licença e saí porque precisava passar para pegar minha filha na faculdade onde a deixei para fazer uma pesquisa.

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