quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

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A PASSAGEM 9 - JANDIRA ZANCHI


I  -  A  PASSAGEM

9.

     O Sol caminhava sua rota e sua incógnita. Marian estava particularmente perturbada naquele dia. Para que ? dizia-se. Pela reprodução da vida em escala animal? Havia a alegria, a festa e a brincadeira. Quem condenou o homem ao peso de si mesmo e de seus ideais? O silêncio que, do lado de fora, faziam os humanos, esclarecia que perguntas equivocadas estão destinadas ao ar e seu destino.
-         E a ética? Existe a condenação pela falta de ética? – inquiriu a maga.
-         Imagine ser essa a tua criação e a tua responsabilidade. O que você, em primeiro plano, entenderia por ética?
-         A manutenção da vida.
-         E então?
-         Depois eu discutiria o conceito de vida, suas motivações e autogestão.
-         Entenderia que a lei do mais forte pode não ser a lei do melhor.
-         Exato. E cabe aos fortes a estruturação e indagação da ética.
-         Quando puderem fazê-lo. Não somos além da natureza. Só podemos sondar-lhe o ritmo.
-         Racionalismo e objetividade. Serão os paradigmas da mediocridade emocional e existencial.
-         Os males necessários. Ser agente de mudanças e evolução não dá a ninguém a oportunidade de imprimir com o cérebro o caráter e motivação intrínseca ao núcleo.
-         Nem de sugerir?
-         A criação humana é livre, desconhece tempo, espaço e condições materiais. Sistemas teóricos podem ser esboçados e vertentes de quebra também. Mas, matéria e realidade são condições primeiras e inquestionáveis.
-         Amém. Eu, particularmente, odeio isso.
-         Porque continua uma selvagem. Por rebeldia, sexo e condições de vida.
-         E você?
-         Eu sou o timo da necessidade.
-         Finalmente as nossas diferenças.
-         Devemos mante-las. O masculino e o feminino se enfrentarão até a síntese final.
-         Vocês levam uma vantagem enorme, os moldadores da matéria.
-         Não somos mais felizes por isso, antes, sabemos criar uma grande ilusão de felicidade e domínio. Os machos são os verdadeiros escravos da espécie.
-         Pois os seus primatas.
-         Não reclame. Para você é mais fácil, quando não consegue fazer o que quer pode culpar nosso sistema de vida. E quando consegue seus objetivos, ainda assim dedica seu tempo livre a crítica e a insatisfação.
-         A rebeldia é feminina, o poder é masculino.
-         Essa situação é apenas o reflexo de um processo.
-         Quando o homem terminar de construir a base da ciência, a filosofia e a ética poderão tornar-se dionisíacas novamente. Então, ficará claro que as bases teóricas do Racionalismo só encontram apoio na apropriação das ciências físicas e naturais.
-         Será? Poderão surgir novas formas de enfoque qualitativo. Os novos paradigmas saberão abrange-los como um todo.
-         De qualquer forma, depois de tantos anos de esmagamento, o feminino vai levantar-se completamente atabalhoado no universo de mediocridades existenciais que a brilhante atuação teórica e prática do Racionalismo erigiu.
-         E, em meio a injustiça, a miséria e a intolerância, brilhante e calvo como um rútilo ovo, a condição física e metafísica da liberdade e da paz.
-         E o que sobrar, sobrou. Se existe o Grande Arquétipo, ele pensa assim. Começo a achar a culpa um aspecto interessante do universo mental e espiritual do homem. A Segunda via tem sido a inspiração religiosa desse processo de domínio e objetividade porque alguma coisa teve que interferir em meio a tanta indiferença física e emocional. Deus, quando existe, é amigo do proprietário. Pelo menos em caráter de inspirador da primeira e da terceira vias.
-         É evidente. E o teu ser masculino reconhece, sem objeções, essa evidência. Mas, o feminino, cada vez se rebela mais, e com mais seguridade reconhece na emergência da vida sua única validade. Eu concordo com você. Vivemos, porém, em condições primitivas.
-         Que grande mal fizemos para que nos persiga, de tal forma, a lucidez e sua impotência?
-         Somos vaidosos e sensuais. Gostamos do prazer e não temos vocação para carneiros. A plenitude da ingenuidade e o distanciamento mental não são nossos signos. Também por isso somos dotados de grande capacidade motora e de resolução. É a matéria em seu movimento.
-         E, seres superiores, não temos uma arrogância cega. Com certeza o Grande Arquétipo nos estima muito pouco.
-         Nos usa apenas. Não estima a ninguém, apenas reconhece a evidência da força e sua freqüência vibratória.
-         Quando finalmente pudermos expor e imprimir a consciência em seu estado puro, que poder teremos sobre as tão bem estruturadas leis da matéria?
-         Estaremos, então, completamente domados em nossas paixões. E, seres diferentes, teremos vontades diferentes. E, talvez, finalmente deixemos de saber o que é vontade.  Pare de se preocupar com o que não te diz respeito. Você se vale nessas dúvidas apenas para fugir de tuas responsabilidades.
     Constrangida, ela deixou-se ficar em silêncio por um longo tempo. Ele não a iludiu com nenhum mimo. Ela que terminasse de amadurecer. E nem sequer lhe ocorreu as lágrimas da auto piedade.

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