ZÉ PIÃO
O cigarro no canto da boca
esfumaçava a vista de Zé Pião, sentado no toco podre da seringueira que há
meses ele mesmo havia cortado. Pequenos fios de suor escorriam da testa ao
maxilar, e abriam caminhos na poeira de seu rosto – estradas recém-construídas,
riachos rasos na estiagem.
Zé Pião observava os campos que se
abriam em meio à floresta. Já poderia contar mais de uma Manaus de tocos de
árvores que ali apodreciam, fora os que antes preencheram os buracos de terra
remexida mais adiante, mais perto do horizonte.
Algumas vezes doía, o peito ou a
saudade, mas ultimamente havia se tornado fácil espantar as memórias de infância.
O pequeno vilarejo ribeirinho já não havia, nem curso de rio havia mais, de
modo que seus melhores anos e seus amigos e sua família poderiam muito bem nem
ter existido, poderiam ser apenas histórias de cabeça de sol, uma dor que logo
passava.
O que importa é tirar o buraco do
estômago, pensava Zé Pião enquanto procurava uma sombra para a cabeça. A dor?... Ah! Essa logo passa. Sempre passa.
Mariela Mei é toda verso e prosa. Formada no divã e na escrivaninha. Escreve para existir. Bloga emhttp://gracadesgraca.com .
2 comentários
Muito bom o texto, envolvente do início ao fim.Parabéns.
Aiiiiiiiiiii,lindo e e duro . Amei !!!
adoro suas prosinhas curtas...eheheh
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