domingo, 22 de janeiro de 2012

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Um sonho e sua análise

(I) Prólogo:

Ao longo de toda uma semana estive envolvido numa discussão com sujeitos de indiscutível capacidade intelectual e cultural, além de poderosa capacidade de persuasão – o que não implica, necessariamente, em elevação moral e de padrões éticos. Esses debates deram-se num sítio de literatura.

Confesso que a discussão revolveu o meu conteúdo emocional de tal forma que cheguei mesmo a ponto de determinadas atitudes que fugiram ao controle consciente, tendo por vezes reagido instintivamente, como um animal ao se sentir acuado.

A proposta desse artigo não é a de defender pontos de vista, nem o julgamento de valores; sendo o objetivo tão somente aquele da descrição de um sonho e posterior análise pelo sujeito que vos escreve.

Prossigamos ao sonho.


(II) Sonho:

Na noite do dia 20 para o dia 21 de Janeiro desse ano de 2012 tive o sonho cuja narrativa segue abaixo.

Eu e alguns poucos familiares havíamos sido convidados para uma festa por uma pessoa rica e eminente. Junto ao convite veio a observação explícita de que estávamos sendo convidados com o propósito de sermos figurantes, não devendo nos envolver com nenhuma das demais pessoas, identificadas como importantes políticos e autoridades, que estariam também presentes. Por se tratar de grande e refinada recepção, o que era uma oportunidade pouco comum, decidimos participar, apesar de a recomendação ter sido encarada como leve ofensa.

Chegando à festa, era fácil identificar os políticos e autoridades pelas suas roupas de gala, em distinção de uma parcela dos outros convidados que era a dos convidados figurantes. Os políticos e autoridades ocupavam mesas grandes em salas menores e separadas, também eram tratados de forma diferenciada, apesar de alguns deles circularem em meio ao grande salão ocupado pelos figurantes.

De repente percebi a presença de pequeno felino, um gato, que acompanhava a mim e aos meus familiares. Percebi, de súbito, que aquele era meu animal de estimação. O gato, por vezes, insistia em penetrar as salas menores destinadas às autoridades. Os garçons vinham então me repreender para que eu retirasse o animal daqueles ambientes restritos. Noutra ocasião eram os próprios anfitriões que vinham recomendar para que eu cuidasse de meu gato, mantendo-o distante dos políticos e pessoas eminentes. Aquela situação me causava grande constrangimento.

O sonho culminou quando o gato caiu em um bueiro, ficando a princípio preso às grades pelas suas patas dianteiras. Ele clamava por socorro. Tentei resgatá-lo, mas ele caiu dentro do bueiro. Com grande esforço, consegui alcançá-lo no fundo do bueiro e resgatá-lo. Lembro que isso me trouxe um grande alívio, e mesmo felicidade.

Despedimo-nos dos anfitriões e retornamos para casa. O sentimento era aquele de satisfação.


(III) Conexões:

Partiremos da definição das instâncias essenciais do sujeito. Os verbetes apresentados abaixo foram extraídos de: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, Editora Nova Fronteira, 1a Impressão (9a Edição).

Consciência. S. f. 1. Filos. Atributo altamente desenvolvido na espécie humana e que se define por uma oposição básica: é o atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo (e, posteriormente, em relação aos estados interiores, subjetivos) aquela distância em que se cria a possibilidade de níveis mais altos de integração.

Inconsciente. S. 2 g. 9. Psicol. O conjunto dos processos e fatos psíquicos que atuam sobre a conduta do indivíduo, mas escapam ao âmbito da consciência e não podem a esta ser trazidos por nenhum esforço da vontade ou da memória, aflorando, entretanto, nos sonhos, nos atos falhos, nos estados neuróticos ou psicóticos, i.e., quando a consciência não está vigilante. Inconsciente coletivo. Psicol. Parte do inconsciente individual que procede da experiência ancestral e transparece em certos símbolos encontrados nas lendas e mitologias antigas, constituindo os arquétipos.

Alma [Do lat. anima.] S. f. 2. Filos. Entidade a que se atribuem, por necessidade de um princípio de unificação, as características essenciais à vida (do nível orgânico às manifestações mais diferenciadas da sensibilidade) e ao pensamento: as faculdades da alma.

Espírito [Do lat. spiritu.] S. m. 11. Filos. O pensamento em geral, o sujeito da representação, com suas atividades próprias, e que se opõe às coisas representadas: a matéria ou a natureza.

Consideremos, a seguir, as conexões básicas estabelecidas entre estas instâncias a partir do meu entendimento ou interpretação pessoal. Observe que se trata de opinião subjetiva; logo, não é uma verdade, nem pretende ser; é tão somente a expressão de uma única alma.

Dito isso, entendo que a alma de um sujeito (a entidade a que se atribuem, por necessidade de um princípio de unificação, as características essenciais à vida) compreende a sua consciência (o atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo) mais o seu inconsciente (o conjunto dos processos e fatos psíquicos que atuam sobre a conduta do indivíduo, mas escapam ao âmbito da consciência e não podem a esta ser trazidos por nenhum esforço da vontade ou da memória, aflorando, entretanto, quando a consciência não está vigilante).

Faço a distinção entre alma (a entidade a que se atribuem, por necessidade de um princípio de unificação, as características essenciais à vida) e espírito (o pensamento em geral, o sujeito da representação, com suas atividades próprias, e que se opõe às coisas representadas); sendo o espírito um conjunto mais amplo, do qual a alma é tão somente uma parcela desse conjunto, que atua no mundo da representação, ou seja, da matéria.

Repetindo, para a clareza da ideia: Entendo que a alma de um sujeito compreende a sua consciência mais o seu inconsciente (alma = consciência + inconsciente). E faço a distinção entre alma e espírito; sendo o espírito um conjunto mais amplo, do qual a alma é tão somente uma parcela desse conjunto, que atua no mundo da representação, ou seja, da matéria.


(IV) Análise:

Posteriormente, já em estado de vigília, e tendo recordado de um sonho com tal riqueza de detalhes, decidi dedicar algum tempo a sua análise. Para tanto, levei em conta a contextualização, apresentada em (I); e as conexões entre as instâncias essenciais do sujeito, descritas em (III).

Essa foi a minha interpretação: Eu e minha família representávamos o meu espírito – o sujeito da representação. O gato era a minha alma, i.e. a minha consciência mais o meu inconsciente (uma parcela de meu próprio espírito), que estava se metendo em contradições e antagonismos por invadir o espaço dos outros (interagindo com outros espíritos). A partir do momento em que eu consegui resgatar o gato – entenda-se por retirar-me da discussão que estava me causando o desgaste emocional – o conflito se desfez. Voltei a minha habitual paz de espírito e ao saudável alinhamento da consciência com o inconsciente (ou, ao menos, a redução dos conflitos para um grau minimamente aceitável).


(V) Por que eu escrevo?

Por que eu leio? Por que eu escrevo? Bem, eu leio porque sinto sede de conhecimento e do aprendizado; pelo desejo de autoconhecimento; pela vontade de saber mais sobre a natureza e entender dos processos de interação entre as criaturas – tanto aqueles de natureza objetiva, quanto aos outros fenômenos, mais sutis. Escrever é uma forma de organizar minhas próprias ideias. Posso concluir, portanto, que escrevo para mim. É mesmo, antes de tudo, uma atividade egoísta.

Dessa experiência resultou a minha decisão de não mais me reportar ou dirigir àqueles sujeitos que estavam me desgastando. Pura e simplesmente desfazer todos os laços emocionais. No meu parco entendimento se tratam de espíritos com os quais eu não tenho afinidade (diga-se de passagem, sem qualquer julgamento de valor).

Pode ser que sejam muito avançados para a minha compreensão. E uma criança de poucos meses não costuma sair por aí andando sobre os dois pés antes de aprender a engatinhar; i.e. precisarei, nesse caso, de mais tempo e bagagem para uma interação saudável. Ou podem se tratar de espíritos de natureza distinta à minha. Nesse caso, sendo os valores éticos e morais diferenciados, faz-se também necessária manutenção de certo distanciamento, de forma a se evitar os atritos demasiados.

Importante é o respeito às diferenças; à compreensão de si mesmo; e ao aprimoramento de cada criatura, que é distinto e inerente às próprias vivências pregressas.

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1 Comentário

andre albuquerque

Jorge: " a estrada real para o inconsciente", muitas vezes é o próprio inconsciente ; interessantes momentos em que a razão cartesiana sai para almoçar (ou jantar) e o que nos acontece.Excelente.Abraço.André