Ao início da tarde desliguei o telemóvel para respirar melodia com um programa refinado e intemporal: Novembro é uma árvore frondosa para usufruir a área musical, não me perguntem porquê. Mergulho em Jessye Norman, John Cage, Dvorák, Vicente Celestino Heckel Tavares, Hans Joachim Koellreutter. No silêncio diurno, a luz fraca, encontrei-me envolto nas trevas do exílio onde o medo impera e embalo a própria dor. Senti deslizar por baixo das minhas pernas a única presença possível, o fantasma de uma casa onde chove sem parar há tantos anos. Era o Elliot com a sua linda cauda, a sua ternura enigmática, transportando o seu íntimo pudor e a sua linhagem mística de felino, e não pude expulsar o arrepio de estar tão só acompanhado por um velho gato e com sonhos que não conto a ninguém.
Quando bateram as oito na igreja, havia uma estrela no céu, realidades deslumbrantes da noite, um barco projectou um adeus solitário, senti na garganta o estrangular de todos os amores que podiam ter permanecido e não sobreviveram e tremi ao sentir como eu era inocente. Não aguentei. Agarrei no telemóvel com o coração a estremecer até à raiz do braço, marquei o número muito lentamente. Olá, disse-lhe com a voz trémula: Desculpa-me, uma vez mais. Ela, serena, voz doce, sem disfarce: Não se preocupe, estava à espera do seu telefonema. Avisei-a: Quero que esperes vestida e que assim fiques enquanto estivermos juntos. Ela deu uma gargalhada espontânea mas na sua voz dançava um desafio. Como quiser, disse, mas meu corpo arderá para si no lusco-fusco, como todos os homens gostam. Eu sei, disse-lhe: Eu desejo apenas uma mulher com quem beber e morrer, segurando a minha mão, e nisso demorar os frágeis instantes a que um cliente tem direito.
- Com certeza – disse –, então não demore, não se perca pelas ruas frias.
Quando bateram as oito na igreja, havia uma estrela no céu, realidades deslumbrantes da noite, um barco projectou um adeus solitário, senti na garganta o estrangular de todos os amores que podiam ter permanecido e não sobreviveram e tremi ao sentir como eu era inocente. Não aguentei. Agarrei no telemóvel com o coração a estremecer até à raiz do braço, marquei o número muito lentamente. Olá, disse-lhe com a voz trémula: Desculpa-me, uma vez mais. Ela, serena, voz doce, sem disfarce: Não se preocupe, estava à espera do seu telefonema. Avisei-a: Quero que esperes vestida e que assim fiques enquanto estivermos juntos. Ela deu uma gargalhada espontânea mas na sua voz dançava um desafio. Como quiser, disse, mas meu corpo arderá para si no lusco-fusco, como todos os homens gostam. Eu sei, disse-lhe: Eu desejo apenas uma mulher com quem beber e morrer, segurando a minha mão, e nisso demorar os frágeis instantes a que um cliente tem direito.
- Com certeza – disse –, então não demore, não se perca pelas ruas frias.
Luís Galego
(escrito a 21/09/2009)
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