quinta-feira, 15 de março de 2012

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CONTAÇÃO: "Sem telefone" (por M.Mei)






SEM TELEFONE
(crônica)


Gosto de quarto de hotéis. Mais do que dos cafés-da-manhã, sucesso dos hóspedes, gosto dos quartos. Tasco na maçaneta um “Favor não incomodar”, desfaço as malas mesmo que seja por uma noite apenas e me atiro aos deleites de minhas manias. Abro a janela só para saber venta frio ou quente lá fora, e então ver de longe a vida acontecer, como navegante aportado a observar pela escotilha o cais em movimento. Examino o frigobar à procura de provisões – apenas por garantia, já que petisco de hotel se paga com ouro. Enfim, familiarizada com o novo QG, busco o telefone para solicitar ao serviço de quarto um travesseiro a mais, pois travesseiros que hotel não são como os da gente, e os baixos me causam pesadelos.
Mas naquele dia, ao chegar ao Rio de Janeiro e finalmente me instalar no quarto super mega compacto do nono andar do hotel do centro da cidade, às nove da noite e uns tantos, e faminta, deparei-me com o inesperado: não havia telefone, ou interfone ou coisa parecida. Nem unzinho. Revirei o cubículo – algo como girar o corpo no próprio eixo – e nada. Nem ao lado da cama, em cima da mesinha, embaixo da pia, dentro do chuveiro, em frente à privada. Absolutamente nada. Coisa mais estranha é quarto de hotel sem telefone.
É certo que até aquele momento eu não havia imaginado qualquer outro uso para telefone de hotel que não fosse solicitar um travesseiro, um lanche, uma ligação externa. Até aquele momento nunca havia pensado em um incêndio com bloqueio de portas, um hospede maníaco que me fizesse refém de suas neuroses, dores no lado esquerdo do corpo que sugerissem um ataque cardíaco ou, simplesmente, a possibilidade de a fechadura emperrar e me deixar trancada ali para sempre. Naquele quartículo não havia qualquer comunicação com o mundo externo, a não ser pela... Janela!?
Tomada pelo pânico do que pudesse acontecer, mas sem querer deixar que a louca liberta dentro de mim se mostrasse à amiga de viagem que já despejava as tralhas sobre a cama, caminhei até a janela e espichei os olhos lá para baixo. Não me parecia uma boa idéia aquele escape de nove andares de voo livre, mesmo porque saltar da janela de um prédio não representava necessariamente um meio de salvação válido, uma solução de sobrevivência a ser considerada. Pensei então em outras maneiras de me comunicar com o mundo: e-mail, blog, Facebook, Twitter: “Socorro! Estou presa em quarto de hotel no centro do RJ, sem telefone, há um incêndio e a porta está bloqueada. Rua Tal Tal Tal, nº XYZ, quar”– (você ultrapassou o limite de 140 caracteres). Peixe que morre na rede, sem ao menos fritar ao sol. 
De repente, entre uma janela com as cortinas farfalhando um sussurrar parecido meu nome e uma porta com os perigosos dizeres na parte externa “Favor não incomodar” (meu cárcere infinito e solitário), a ideia de ficar enfurnada em quartos de hotel já não me parecia tão sedutora assim. Preferível sair à rua, conhecer os prazeres da Lapa, acabar a noite na gafieira e voltar para competir o café-da-manhã com os outros hóspedes. Dormir? Só depois, quando as camareiras começarem a perambular pelos corredores e prontas para, a qualquer problema, ouvirem meu chamado atrás da porta.



Mariela Mei é toda verso e prosa. Formada no divã e na escrivaninha. Escreve para existir. Bloga em http://gracadesgraca.com . 

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