SEM TELEFONE
(crônica)
Gosto de quarto de hotéis.
Mais do que dos cafés-da-manhã, sucesso dos hóspedes, gosto dos quartos. Tasco
na maçaneta um “Favor não incomodar”, desfaço as malas mesmo que seja por uma
noite apenas e me atiro aos deleites de minhas manias. Abro a janela só para
saber venta frio ou quente lá fora, e então ver de longe a vida acontecer, como
navegante aportado a observar pela escotilha o cais em movimento. Examino o
frigobar à procura de provisões – apenas por garantia, já que petisco de hotel
se paga com ouro. Enfim, familiarizada com o novo QG, busco o telefone para solicitar
ao serviço de quarto um travesseiro a mais, pois travesseiros que hotel não são
como os da gente, e os baixos me causam pesadelos.
Mas naquele dia, ao chegar
ao Rio de Janeiro e finalmente me instalar no quarto super mega compacto do
nono andar do hotel do centro da cidade, às nove da noite e uns tantos, e
faminta, deparei-me com o inesperado: não havia telefone, ou interfone ou coisa
parecida. Nem unzinho. Revirei o cubículo – algo como girar o corpo no próprio
eixo – e nada. Nem ao lado da cama, em cima da mesinha, embaixo da pia, dentro
do chuveiro, em frente à privada. Absolutamente nada. Coisa mais estranha é quarto
de hotel sem telefone.
É certo que até aquele
momento eu não havia imaginado qualquer outro uso para telefone de hotel que
não fosse solicitar um travesseiro, um lanche, uma ligação externa. Até aquele
momento nunca havia pensado em um incêndio com bloqueio de portas, um hospede
maníaco que me fizesse refém de suas neuroses, dores no lado esquerdo do corpo
que sugerissem um ataque cardíaco ou, simplesmente, a possibilidade de a
fechadura emperrar e me deixar trancada ali para sempre. Naquele quartículo não
havia qualquer comunicação com o mundo externo, a não ser pela... Janela!?
Tomada pelo pânico do que
pudesse acontecer, mas sem querer deixar que a louca liberta dentro de mim se
mostrasse à amiga de viagem que já despejava as tralhas sobre a cama, caminhei
até a janela e espichei os olhos lá para baixo. Não me parecia uma boa idéia
aquele escape de nove andares de voo livre, mesmo porque saltar da janela de um
prédio não representava necessariamente um meio de salvação válido, uma solução
de sobrevivência a ser considerada. Pensei então em outras
maneiras de me comunicar com o mundo: e-mail, blog, Facebook, Twitter: “Socorro!
Estou presa em quarto de hotel no centro do RJ, sem telefone, há um incêndio e
a porta está bloqueada. Rua Tal Tal Tal, nº XYZ, quar”– (você ultrapassou o
limite de 140 caracteres). Peixe que morre na rede, sem ao menos fritar ao sol.
De repente, entre uma janela
com as cortinas farfalhando um sussurrar parecido meu nome e uma porta com os
perigosos dizeres na parte externa “Favor não incomodar” (meu cárcere infinito
e solitário), a ideia de ficar enfurnada em quartos de hotel já não me parecia tão
sedutora assim. Preferível sair à rua, conhecer os prazeres da Lapa, acabar a
noite na gafieira e voltar para competir o café-da-manhã com os outros
hóspedes. Dormir? Só depois, quando as camareiras começarem a perambular pelos
corredores e prontas para, a qualquer problema, ouvirem meu chamado atrás da
porta.
Mariela Mei é toda verso e prosa. Formada no divã e na escrivaninha. Escreve para existir. Bloga em http://gracadesgraca.com .
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