sábado, 10 de março de 2012

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Leonor

LEONOR

O caracol deslizou lentamente sobre a calçada , com sua casa ás costas  Agachada , ela riu , envolta na surpresa ; nunca imaginara aquele bicho capaz de qualquer movimento .Seria a primeira surpresa que a manhã trazia , com um sol meio morno e uma brisa gostosa , de fim de inverno ? As pessoas seguiam na sua pressa , cabeça baixa , quem sabe , peso de tanta preocupação ; antes ocupar - se que preocupar - se , descobrira há muitos anos . Na praça , o repuxo da fonte tentava pular mais longe e irrigar um gramado agonizante e pardacento de descaso ; sorriu , teria inventado uma nova cor ? Pardo - descaso ; soava bonito , tinha sonoridade , quem sabe , o nome não seria inspiração de Clarice Lispector , um dia moradora daquela casa alí em frente ? Isso mesmo , naquele velho sobrado da esquina , agora ocre e azul claro , portas ainda fechadas, num dia em plena gestação ? Caminhou até a placa de bronze , que dizia que sim , Clarice morara alí mesmo , naquele sobrado de cores que brigavam entre sí , porque não fora deixado em sossego , tinha a placa da moradora e uma placa de loja , daquelas grandes , luminosas ,mais para cima , falando da venda de sapatos , que ela não precisava .Sentou num banco da praça , sentiu um perfume antigo e familiar vindo do canteiro em frente . Tantas flores , de cheiro gostoso e sem nome , mas por que teria de ter um nome algo tão nobre e agradável ? Tudo tem exceção, flores também . A manhã promissora de um lindo dia , que poderia ter sido igual ao primeiro dia do mundo , depois de criado , Deus repousando na praia , ainda pensando nos nomes para aquelas flores . O mar , a praia , como estariam , naquela manhã ? Ergueu - se do banco ,caminhou na direção da avenida principal , esbarrando num canteiro de mirradas azaléias ; alguém mostrou - lhe o ponto  do ônibus que passava na praia . Descobriu - se sem dinheiro algum , sem bolsa , sem lenço , sem documento - lembrou do riso e das gengivas  de Caetano Veloso ,aquele cabelão assanhado de alegria .Pediu dinheiro á bela moça de bolsa e óculos escuros , viu - se nas lentes ,uma velha senhora bem penteada , bem vestida , blusa de linho cara e branca ,calça comprida preta , a mão lenhosa estirada , a esmolar uma passagem de ônibus .A moça sorriu amarelo e foi tratar de sua vida ; atendeu - a o senhor idoso e barrigudo ,camisa desabotoada , que lhe passou dois reais e um lembrete de que idoso não pagava ônibus , naquela cidade .Agradeceu , tomou o ônibus , que percorrreu muitas ruas , até atingir a praia de Boa Viagem .Desceu na parada do Castelinho ; na dignidade mais leve que os dois reais poderiam lhe dar , comprou um sorvete e contemplou as pessoas suadas , transpirando o que parecia serem as últimas gotas de suor sobre a Terra ; velhos em cadeiras de roda , cães enormes competindo com seus donos em porte arrogante e cara de poucos amigos ; um grupo gracioso jogando vôlei ,a jeunesse doreé  em sua memória ; colocou rostos conhecidos naqueles belos estranhos , que não conheceram aquele bairro ainda um recanto de veraneio . Sentou , costas apoiadas num coqueiro ,sentindo uma descomunal felicidade , com o apagar das recordações de quem era ,de onde viera e onde iria colocar toda aquela plenitude , feita de sol , areia e mar.

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