quinta-feira, 15 de março de 2012

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O pacificador

O pacificador

" Em nome de Cipriano e suas sete candeias , em nome do seu cão preto e suas sete moedas de ouro , em nome de Cipriano e sua montanha sagrada , em nome da árvore dos zéfiros e do grande carvalho - eu peço e serei atendido , pelas sete igrejas de Roma ,pelas sete lâmpadas de Jerusalém , pelas sete candeias douradas do Egito , eu serei vencedor ". Oração para fechar o corpo , atribuída a Cipriano de Antioquia.


Chuto a porta , entramos os dois no barraco , no olho do furacão : Vado na cama , pra lá de chapado , mas o cano da 9 milímetros clareia a consciência rapidinho , o pilantra já está sentado na cama ,meio grogue , olhar injetado de cachorro doido ; entre o vício e a surpresa , um banho de cuspe na própria cara , saliva palavrões assustados e mungangas . Todos dão uma de doido , inocente ultrajado , bons cidadãos ,só faltam dizer  que pagam os impostos em dia , mas pra tudo tem limite : Jeremias esquenta - lhe o ouvido , a bofetada estala feito chicote no muquinfo imundo ; Vado mora num duplex em Boa Viagem mas esconde - se aquí no morro da Conceição , quem sabe , ficar perto da santa é mais seguro ; a cabeça tomba para um lado , o corpo sarado , musculoso, oscila mas não cai , feito um joão - teimoso ; a gente bate , ele vira e retorna , vislumbro um olhar arrogante naquela cara cheirada e cuspida , que já despachou tanta gente pro inferno , tanto pó e crack distribuídos , que contornaria esta cidade perdida umas tres vezes ; chuto - lhe o peito com vontade , na camiseta de grife surge uma nova estampa ; " não, nunca vendí nada , droga é a vida que levo..." ; o cara é  um artista da miséria , um soco no meio dos cornos , esse ele sentiu , começa a estranhar a pegada diferente , ninguem falou em grana ; implora ajoelhado por um  alívio , diz que já apanhou bastante , Jeremias arrebenta - lhe os testículos com a coronha do fuzil , Vado cai gemendo baixinho , segurando os preciosos ,começa a amarelar mas é duro na queda - caiu a ficha que algo vai errado . Dinheiro ? Vinte mil para cada um e boa noite; lá se vão dois dentes no meu soco - ingles , segura o cagaço , o rosto já uma poça de sangue em pé ; patético , começa a recuar , olhos arregalados de espanto : oferecer grana e perder dois dentes ? Encurralado , braços abertos contra a parede : um inseto no papel pega - moscas ; tira o rolex de ouro novinho do pulso e me estende , em silenciosa oferenda ; encerro o expediente : um tiro entre os olhos de cão danado , saímos do barraco encapuzados como entramos . Rua quase deserta , um velho bêbado nos aplaude entre um tombo e outro : enfim , a paz. 

1 Comentário

Jorge Xerxes

André,

Narrativa (In)Tensa: Excelente!

"...vislumbro um olhar arrogante naquela cara cheirada e cuspida , que já despachou tanta gente pro inferno..."

Um Forte Abraço,

Jorge