terça-feira, 3 de abril de 2012

0

Música para elevadores

A porta abriu para um andar vazio.Continuei sózinho , em ereta e determinada contemplação do nada , a língua esgravatando o buraco da cárie , de reparo sempre adiado pelo mestre da procrastinação. As paredes metálicas , um todo de assepsia brilhosa , numa paz erma e escorregadia . Emparedado e móvel , a setenta metros de altura . O aço por testemunho do que piso e me cobre a cabeça ; perturba - me essa música rastejante sob o silêncio , a ausencia de cheiros , odores e nuances . Um ser assustado me observa , do outro lado deste dilema de aço : eu mesmo , sobraçando meu jornal e minha circunstância .Talvez a vida me tenha sido leve : sentimentos anódinos , memórias desinfetadas , o fim da infâcia descoberto no limiar da velhice .Agora , a música tão próxima , quase a brotar - me dos olhos , ligados na tinta forte das manchetes . Paramos . Mais alguem na caixa . Uma mulher - ruiva de fato ou circunstância ? Procura na bolsa, tateando um sentido inexistente aqui fora , até esbarrar no batom , joga os cabelos para trás , em frio e largo gesto ; retoca os lábios fazendo minhas pupilas de espelho , mas não me vê .

Seja o primeiro a comentar: