segunda-feira, 23 de abril de 2012

2

Um poeta , o amanhecer

O Recife é uma cidade á espreita . Aguarda , pacientemente , a madrugada capenga a insinuar-se pela rua da Aurora ,o sol lambendo tímidamente o casario antigo , onde as histórias se arrumam qual tijolos em moradias ancestrais e semi mortas .O poeta em concreto , solenizado , á beira rio plantado , contempla o negror do cão sem plumas a beijar a ponte . O bêbado cumprimenta - o  e passa ao largo da indiferença pétrea e cinza - morta . A sua matéria , hoje filha do outrora massapê , redivivo em singular metamorfose , antes humus - homem , agora concreto qual poema - objeto , domado  em figura de homem , alí sentado , em mudo conluio com  sua cidade ,á espreita do nascente , olhar perdido e fixo na estrada -  serpente dágua , de sádico amor aos seus persongens , revoltos e serenos , ao  sabor das marés , ao dissabor dos mangues soterrados pela ganância onipotente e parva , uma cidade semovente em água ,mais estática que a terrestre  Sevilha , esta , sempre a caminhar ,em devir ensolarado , talvez mais puro que a cidade cruel , no réptil tatear pelos leitos do rio , pelas vielas escuras , onde o sol boceja antes de entrar , pois morta a visão, só o Sentido permanece.

Á João Cabral de Mello Neto, uma homenagem.


2 comentários

Jorge Xerxes

Andre,

Ótimo Texto Poético!

"serpente dágua , de sádico amor aos seus personagens , revoltos e serenos , ao sabor das marés , ao dissabor dos mangues soterrados pela ganância onipotente e parva ,..."

Múltipla, Dissonante, Paradoxal... Recife!

Um Forte Abraço, Jorge

Marcelo Pirajá Sguassábia

Prosa poética porém substantiva - seca, afiada e minimamente adjetivada, como a obra do homenageado. Um presente à altura de João Cabral. Parabéns, André.