Imaginar uma linha acima da cabeça, puxando-a para cima, ajudava-a a manter a coluna ereta. Assim Núbia sentia-se mais centrada, sem perder o chão.
Nada reinventava e isso não a incomodava: bastava àquele ser pragmático saber-se parte do ciclo da natureza. Mitos muito adelgaçados moravam em seu imaginário, o curso do trovão lhe parecia sempre natural e determinado.
Contudo, gostava de perscrutar o olhar das pessoas. Ignorava-lhes as máscaras e chegava aos abismos interiores, ainda que o tempo os matizasse e ocultasse. Mas não só os abismos, ela via. Também alguns céus. Profundos.
Certo dia caminhávamos quietas, no Jardim Botânico. Provávamos a manhã.
- Os olhos sempre dizem das almas, disse-me de repente.
- Não preciso conhecer muitos detalhes do rosto para intuir acerca de uma pessoa, continuou. Todavia, ignoro as linhas dos lábios – essas ocultam sentimentos.
- Como assim?
- Se as feições não são confiáveis , a voz o é. Há pouco descobri acerca dela. A linguagem possui a gente, mas não possui nossa voz.
- ?
- Observa o lago, na parte sem plantas: vê como o vento encrespa a água?
- Sim.
- Agora olha entre as vitórias-régias: vê um espelho?
- Sim!
- Então, a voz deixa ver o secreto de nossa poesia interna, apesar da tonalidade da fala. Assim como essas vitórias-régias deixam ver o lago em sua essência - sem ondulações.
Calou-se, distraída por um caxinguelê que passou célere em direção a uma árvore, e me fez um sinal para não falar. Observamos o bichinho durante um tempo.
Seguimos.
Já não sei se íamos quietas, ou ouvindo nossos silêncios. Sim, porque eles também dizem. E nada como estar saboreando a manhã, para escutá-los.
Certo dia caminhávamos quietas, no Jardim Botânico. Provávamos a manhã.
- Os olhos sempre dizem das almas, disse-me de repente.
- Não preciso conhecer muitos detalhes do rosto para intuir acerca de uma pessoa, continuou. Todavia, ignoro as linhas dos lábios – essas ocultam sentimentos.
- Como assim?
- Se as feições não são confiáveis , a voz o é. Há pouco descobri acerca dela. A linguagem possui a gente, mas não possui nossa voz.
- ?
- Observa o lago, na parte sem plantas: vê como o vento encrespa a água?
- Sim.
- Agora olha entre as vitórias-régias: vê um espelho?
- Sim!
- Então, a voz deixa ver o secreto de nossa poesia interna, apesar da tonalidade da fala. Assim como essas vitórias-régias deixam ver o lago em sua essência - sem ondulações.
Calou-se, distraída por um caxinguelê que passou célere em direção a uma árvore, e me fez um sinal para não falar. Observamos o bichinho durante um tempo.
Seguimos.
Já não sei se íamos quietas, ou ouvindo nossos silêncios. Sim, porque eles também dizem. E nada como estar saboreando a manhã, para escutá-los.
Sonia Regina
Imagem: jackaalam
2 comentários
Sonia,
Gostei Muito do Conto!
"- Os olhos sempre dizem das almas, disse-me de repente."
"Seguimos.
Já não sei se íamos quietas, ou ouvindo nossos silêncios."
Um Beijo, Jorge
Que bom, Jorge, fico feliz que tenha gostado.
E, obrigada, sempre um feedback é bom - e o teu me importa especialmente.
Outro beijo
da Sonia
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