Em nosso pacto de União,
combinamos todos de pelo menos na hora da morte estarmos juntos.
Levantamos todos no mesmo
instante, as mazelas da anterioridade ainda fermentando suas significações
precárias em nossos cérebros e sentidos.
O tempo. Sabemos, todos, que nossa fragmentação mesmo que dolorida é
necessária... mais que necessária, é exigida. E mesmo que saibamos da
descontrução que se opera em nosso eu,
nos olhamos nos espelho. Reflexos vários. Cada um vê seu próprio rosto.
Próprio? Rosto?
Na dúvida de “tão vasta questão
existencial” vestimos nossas outras peles; ele beija a mulher, é o bom marido,
o outro corre pro trabalho, dedicado, exato, já aquele blasfema contra o mundo.
Este, cínico, prefere simplesmente continuar, e de vez em quando sorrir
envenenado para o cotidiano. Ligado está a sua corrente, “elástico” que estica
lhe prometendo espaços ainda não alcançados mas que num único puxão o resume ao
que é continuamente...
Abrimos os olhos. Todos. E nos
permitimos invadir pelo imediatismo mundo da imagem. Todas as idéias-imagens se
resumem a um apelo de consumo. E já nos vemos, sonâmbulos, zumbis dessa
pretensa pós-modernidade. Este é seduzido pelo carro, o outro pelo livro, este
outro pela mulher, linda, maravilhosa, artificial e provocante que lhe sorri
eternamente no comercial... Mas devemos correr. Todos devemos correr. O tempo é
uma concessão humilhante, e devemos nele, em detrimento do espírito, do corpo e
do prazer, produzir o sentido para nossa existência. Produzir!!!!!
Produzir nosso outro corpo,
nosso novo prazer, representar nosso espírito. Verdades? Nossos conceitos,
engendrar nosso pasto diário... a ruminação nossa de cada dia...
Mas as vezes paramos. Traumaticamente. O
fluxo normal da contemporaneidade não nos permite muita reflexão, é na ação que
se desenvolve o combustível contemporâneo. Mesmo assim paramos...
Paramos quando percebemos que
apesar dessa imensa fragmentação de eus a que somos obrigados, ainda continuamos
suscetíveis e manipuláveis a um único discurso. Percepção. E nos abraçamos
todos, todos os eus de nós mesmo. A
multiplural criatura humana. Todos cansados, nos esgueiramos pelas
frinchas do tempo, e nos vamos
constituindo em um. Se
isso ainda fosse possível... Frankenstein pós-moderno...
Deitamos então, um após outro,
corpo sobre corpo, alma sobre alma. Conceito sobre conceito, e nos vamos
reconstruindo, erigindo, à margem da fera que nos oprime, pela última vez o
que, (talvez) fôssemos. E neste limbo, espaço efêmero onde o eu se encontra com
seu próprio eu, nos permitamos à memória da lágrima, secas estão todas as
reservas reais de água em nossos corpos-desertos... Talvez um sorriso cínico, e
unidos definitivamente cancelamos a
Produção. Neste instante nos permitimos a retenção, mesmo que fugaz da
mais-valia. Resposta ousada e temerária ao grande Discurso.
E se alguém nos perguntasse,
segundos antes da última reconstituição do ser, quem éramos? Cínicos, ainda,
diríamos: Meu nome é legião, porque somos muitos...
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