quarta-feira, 6 de junho de 2012

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O ANJO 5 - JANDIRA ZANCHI



O ANJO

5.

- Sou vencida pela eternidade que aqui, nesse santuário, encontrou um ponto de exclamação, Ângelo!

     Ele beijou-a, e manteve o seu corpo, rígido, apertado ao seu. Aos poucos a moça deixou que suas lágrimas desavisadas molhassem o rosto do belo rapaz.
- Pode amar-me?  - suspirou.
- Ainda não sei, mas estou encantado com a tua intensidade.
- Mas esses meus olhos vítreos...
- São movidos de terra e ar, fogo e nuance em teu corpo rijo, exigente. És bela, ousada e exigente, o que te falta é um respaldo, uma visão de amizade, continuidade. Posso te oferecer o meu braço.
- Para aqui vim após tantas ruínas e equívocos... só agora percebo teu calor, teu infinito. Por mais que brindemos e executemos o mundo em nossa arte e ciência, por mais que, na individuação, galguemos os degraus da complexidade, é só no amor...
- E que o amor seja uma amizade, mulher de lei e método, pois o espírito que se eleva é virgem e sisudo. A satisfação aberta em sua métrica, aprendiz de ouro nas planícies de muita futilidade. Compraremos uma enxada, abriremos um jardim. Aqui, são poucas as flores e as aves já que céu e mar, de tão belos, ornam-se a si mesmos. Ainda assim abaixaremos os olhos e mostraremos a esse altivo astro o altar de nossos filhos.
- Construir, não ser mais do que o prumo no ritmo da vida.
- Como se fazem todas as naves, enfim.
- E sonhar, e sorrir – ela parecia feliz.
- Tenhamos projetos. Não precisaremos ser os únicos a labutar nesse lugar. Precisaremos de outros usos e fusos, pelo menos meia dúzia de alguns outros.
- Tenho alguns bons amigos.
- Levantaremos uma comunidade, edifícios, jardins, filhos e netos, vamos enfileirar alguns livros e riscar outros, compor acordes e aquarelas e revestirmo-nos em muitas tardes de êxtase e esquecimento.
- Perder-se no deus, naquele que se deleita. E, meu grande artista, como ser afetivo e seguir a inventividade e a supremacia?
- Sem desconexões e ambigüidades . se a vida é faceira, também o sou. É intrigante? Pois me submeto. Sei louvá-la sem prender-me.
- Procuro compreender.
- É ligeiro o instante.
- Como acompanhá-lo?
- Esteja no macro de tua altivez e, com serenidade, pouse no ângulo, no movimento do pequeno pássaro, na asa aberta da flor.
- E...
- Por aqui procuraremos as diversidades, ainda que obscurecidas pelo fulgor do meio.
- O deus não é uniforme.
- É pousado na lua e originado no sol, carregado de perfumes. Se desapegue de si, escute a tênue ou firme, processe-a ao teu ritmo, mansidão da correnteza.
- Mas você parece-me tão ornado de si mesmo.
- É porque me envaideço da alegria dos entes.
- E dela vive.
- Assim, sem crucificar um amanhã.
- E chega-se...
- Vive-se.

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