quinta-feira, 5 de julho de 2012

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De volta ao velho oeste


Deitado no divã do terapeuta, Rodrigo se preparava para uma sessão
de regressão de memória. Executivo de uma grande empresa, ele era
apontado por todos do seu meio como um homem bem sucedido,
invejado até. Mas os pesadelos e a sua dificuldade de lidar com as pessoas
o causavam dificuldades na vida pessoal, no convívio com a mulher e os
filhos. Era respeitado e temido ao mesmo tempo. E foi justamente por
sentir o afastamento das pessoas que mais amava que decidiu buscar
ajuda.

Enquanto fechava os olhos, lembrou das lágrimas que já havia provocado
com sua rudeza e falta de tato. Queria demonstrar seus sentimentos,
pedir perdão por suas grosserias, mas o orgulho o impedia. Foram muitos
os tratamentos indicados até chegar ali. Sentia cansaço no corpo e na
alma.

“Procure relaxar. Imagine que está em um lugar com árvores, grama,
flores, pássaros...” E foi o que Rodrigo fez. Procurou lembrar imagens
lúdicas da infância distante e relaxou profundamente.

De repente, o cenário começou a mudar. Era noite fechada. Esfregou
os olhos e ouviu gargalhadas a poucos metros dali. Reparou que estava
com uma roupa diferente, como aqueles cowboys do velho oeste, com
uma barba por fazer e uma aparência péssima. Se sentiu um personagem
de Louis L’amour e riu de si mesmo. Levantou com certa dificuldade
e foi caminhando, até que encontrou o Saloon. Haviam vários cavalos
amarrados, enfileirados perto da porta.

Se encheu de coragem e entrou no Saloon lotado. À direita, viu uma mesa
de jogatina com vários homens mal-encarados, destes que aparecem
nos filmes. Um deles cuspiu no chão e soltou um palavrão por se dizer
roubado, e começou a lutar com um dos comparsas. Os que estavam
nas mesas próximas se levantaram, e enquanto alguns tentavam apartar
a briga, outros faziam apostas. No palco, cinco francesas dançavam o
Cancan e arrancavam assobios da platéia. Foi direto para o balcão.

- Boa noite. Me dá um uísque duplo, sem gelo, por favor. Ao ser servido,
engoliu tudo de uma só vez e pediu mais duas doses, para espanto do
barman.

- Salve, Mike, que maus ventos te trazem para este fim de mundo?,
perguntou um homem com voz rude e olhar faiscante.

- Desculpe, amigo, mas você está me confundindo com outra pessoa. Meu
nome é Rodrigo, não conheço ninguém por essas bandas e nem sei como
cheguei aqui...

- Não pense que esqueci daquela dívida, Mike! Ou você paga agora, ou te
estouro os miolos aqui mesmo!, disse o homem, ao mesmo tempo que
apontou uma arma.

Assustado, o barman pediu calma e todos começaram a evacuar o recinto.
Algumas dançarinas subiram para os quartos, outras se refugiaram
embaixo das mesas.

Numa fração de segundo, Rodrigo aproveita o olhar cobiçoso do vilão para
uma dançarina e sai em disparada, escapando dos tiros. Foi se refugiar na
mata, enquanto grossas gotas de suor caem pelo seu rosto.

- Rodrigo, agora é hora de voltar... disse o terapeuta, espantado com a
expressão assustada de seu paciente, que parecia ter acordado de um
apavorante pesadelo...

* Sônia Pillon é jornalista e escritora, nascida em Porto Alegre (RS) e radicada desde 1996 em Jaraguá do Sul (SC), Brasil..

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