terça-feira, 21 de agosto de 2012

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Pequenas histórias 13









                                                     Fechou os olhos

Fechou os olhos. Não fez nada mais. Apenas fechou os olhos. Se quisesse não poderia fazer outra coisa. Como faria com os olhos fechados? Não sabia. Nunca fui cego, pensou ao sentir a escuridão invadindo a mente. Não, a mente era a única coisa que não estaria na escuridão. Mas tudo o que vemos não faz parte da visão? Isto é, se olhamos um objeto os olhos enviam ao cérebro as coordenadas desse objeto e a mente cria sua forma concreta. Portanto se vemos o escuro, suas coordenadas são enviadas ao cérebro onde passamos a ver o escuro, entende? Portanto a mente sente e está na escuridão.
Fechou os olhos. Por que... Não, não pergunte o porquê. Não há e nem haverá
resposta correta. Talvez estivesse sentindo cansaço ou, fosse fazer meditação ou, mesmo, um pouco de sossego, talvez coisas que no momento não adiantava lembrar e, muito menos, explicar. Quem sabe!... Cansado de ver. Será? Ver os sentimentos se esfacelando nos rostos desfibrados pelo tempo. Cansado dos objetos imóveis que nada representam a não ser para o que foram feitos. Cansado das luzes da paixão escondida nos cantos da pele ressequida por desejos na solitária masmorra da alma.
Fechou os olhos. Por que... Não, não há resposta para um porque disso ou daquilo, portanto não ousava formular a pergunta. Mesmo assim, uma vez ou outra, sem querer, a pergunta vinha à mente para depois, bater na parede da indiferença e se despedaçar no chão seco de lágrimas. Meu agir obedece ao comando caótico do dia, disse para si mesmo.
Sim, estava cansado. Cansado de sentir o vazio das palavras ricocheteando nos incongruentes lixos dos dedos. Cansado da casa embolada pela umidade do desrespeito onde nada se faz do que deveria ser feito. Cansado do suor azedo, amorfo das fronhas emboladas no desprezo de tê-las tão somente para o descanso noturno. Cansado das músicas inexpressivas que já não o inebria mais feito terapia que pudesse ser levado a sério. Cansado dos livros de palavras insignificantes amontoando-se na estante carcomida de poeira e cupim. Cansado dos filmes de ações fúteis encharcados de efeitos levando-o ao desespero mórbido.
Sim, estava cansado. Por isso fechou os olhos. Passaria o resto da vida de olhos vendados retaliando seus passos, seu pensar, suas ações, e o seu sentir em finíssimas fatias até o momento em que deixaria de existir.
Sim, estava cansado... Fechou os olhos, esticou-se no parapeito da morte esperando o momento certo para se despencar lá de cima.

16.10.07
pastorelli


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