Ele levanta acordado pelo despertador do celular. Corre contra
o tempo para se arrumar e fica matutando como esticar o dia. Tanta coisa para
fazer! Fica imaginando como transformar aquela peça de teatro em um sucesso
nacional. Já está até vendo a cena: os anúncios na mídia, os outdoors
espalhados pela cidade, as críticas favoráveis, o teatro lotado, o público
aplaudindo de pé... E ele lá no meio, junto ao elenco... Bravo! Bravo!
Lágrimas de alegria escorrem pela sua face, enquanto imagina
a realização do seu sonho. Seu coração bate acelerado e ele mantém um sorriso
de genuína alegria...
Enquanto dilui o café solúvel e mastiga um pão dormido com
manteiga, ele abre rapidamente o notebook. Confere as principais manchetes, a
previsão do tempo, os escândalos de Brasília, a cotação do dólar... Eita, mundo
cão!...
Olha um anúncio de brinquedos eletrônicos e lembra daquele
roteiro infantil que criou 10 anos atrás, uma releitura erotizada dos
personagens “Chapeuzinho Vermelho” e “Lobo Mau”, transformados em uma “Lolita”
do século 21 e em uma espécie de “Dom Juan de Marco” à brasileira, à la Nelson Rodrigues...
A vida como ela é... – Bando de provincianos! Não sabem o que é arte!
Quase 10 horas! Desce as escadas correndo em direção ao
portão. – Não posso me atrasar na entrevista com o tubarão! E se ele patrocinar
o projeto? Amanhã mesmo vou poder reunir o elenco, retomar os ensaios, planejar
a temporada, a turnê nacional...
Na saída, vê a caixa de correio entupida de contas, contas e
mais contas para pagar... E “santinhos” de políticos, que de santos não tem
nada... - Haja estômago!, pensa em voz alta, fazendo uma careta.
Ele apressa o passo. Chega suado e esbaforido até a
antessala do diretor presidente. A secretária executiva o olha por baixo dos
óculos e pede que espere até o final da reunião. E ele espera... 10, 15, 30
minutos, até que a porta se abre e os executivos deixam a sala do
tubarão-todo-poderoso. – Pode entrar, diz a secretária. Finalmente o roteirista entra, segurando a pasta, frente a frente
com o tubarão...
- Li atentamente o seu projeto. Bem interessante. Mas
infelizmente já fechamos o orçamento deste ano. Decidimos associar a nossa
marca a um cantor sertanejo que está bombando e vendendo que é uma beleza!
Lamento. Fica para a próxima!
Ao sair da empresa, ele decide que não vai desistir. Afinal,
é o que sabe fazer e não está disposto a entregar os pontos. – Amanhã é outro
dia! De algum lado o sol tem que sair!
E lá vai o heróico e idealista Dom Quixote contemporâneo, pronto
para enfrentar seus moinhos de vento, mais uma vez...
1 Comentário
Perseguir mesmo a quimera até o fim, um preço por sonhar.Bela narrativa.
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