Engana-se
quem pensa que vida de santo é um infinito dolce
far niente. Nem ao mais preguiçoso
deles é dada a graça de ficar chupando chicabon eternidade afora. E aquele
estereótipo de se recostar em nuvens, entre cânticos e cítaras, é mais coisa de
anjo que de santo - e anjo de quadro barroco, idealizado e fora de contexto
histórico.
Santo
passa maus bocados, verdade seja dita. E nem por isso os devotos lhes tratam
com o devido respeito, o respeito que o santo, justamente por ser santo, exige.
Por
exemplo, esse estranho hábito terráqueo de entornar no mínimo 10% da cachaça no
chão da venda, dizendo que é pro santo. Posso dizer com certeza que todos eles
abrem mão da homenagem e passam muito bem sem ela. Se gostasse mesmo de água
que passarinho não bebe, santo não seria santo. Muito pelo contrário.
Depois,
tem outra: manda a Justiça Divina que, toda vez que se oferece algo pro santo,
e não se especifica pra qual santo é o presente, a oferenda seja repartida por
todos indistintamente. Vai daí que cada gole oferecido é dividido, em partes
iguais, para a santosfera inteira. Sabendo-se que os santos são atualmente
milhares, a cada um cabe geralmente uma gotinha de nada - e não é isso que vai
desviar a santaiada do bom caminho. Até aí, nada de mais. Mas acontece que se a
gente levar em conta que cada pinguço manda pra goela pelo menos uns três copos
da marvada, e que só no Brasil temos milhões de alcoólatras, o estrago divino é
grande, provocando em vários deles internações frequentes - quando não diárias.
E as mais prejudicadas são as santas, que com um tiquinho de martini já estão
trançando as pernas.
Outro
problema sério são as imagens dos santos - tanto as pintadas quanto as
esculpidas. Tem santo lá em cima que excomunga sem dó alguns dos displicentes
artistas terrenos, pela falta de semelhança deles com as imagens que os representam.
Esse tipo de episódio produz verdadeiras catástrofes estéticas. Outro dia mesmo
toda a corte celeste saiu em passeata, com cartazes, faixas e gritos de guerra,
protestando contra um lote de 250 estátuas de Santa Edwiges que saiu de fábrica
com cara de Rita Cadilac. Um repulsivo sacrilégio, que merece punição exemplar.
Para evitar novos contratempos, São Tomé propôs em assembleia a instituição do
selo "Ver para Crer", que certifica a imagem beatificamente
reconhecida, ou seja, aquela que tem a benção do respectivo santo e que guarda
nítida semelhança com a sua figura dos tempos de carne e osso.
Além
desse tipo de desrespeito, há também injustiças que agridem e irritam a turma
de auréola. A maldosa e irônica expressão “Na descida todo santo ajuda” vem
merecendo, de uns tempos para cá, um revide da parte dos ofendidos. Julgam eles
que a frase denota uma certa acomodação, dando a entender que os santos têm
braço curto e que não se empenham nas tarefas mais difíceis, onde só um milagre
pode resolver a parada. “Não vamos ajudar mais na descida, ainda que o carro do
sujeito esteja sem freio. Pois que se espafitem, aprendam a lição e vão para o
inferno” desabafa um conhecido santo, que não quis se identificar.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
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1 Comentário
E ainda existem os incautos que irritam o santo invocando um homônimo..rs,s.Parabéns por mais esta,que venha mais.Forte abraço.
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