DEPOSTO SOBRE O ABISMO - 6

...E vi que...

...Eu não estava sozinha...

...Pelo espelho eu podia ver a poltrona velha e aquela mulher. Aquela mulher era tão jovem e tão bonita, e estava sentada na minha poltrona velha. Ela me olhava fundo, muito fundo nos meus olhos azuis, me fitava profundamente através do reflexo do espelho, com seus olhos verdes sem alma e muito vivos. Ela tinha olhos muito vivos e era tão bonita, ela era tão bonita...

...Mas sobre sua pele, branca como a minha, eu pude ver o que, diferente das minhas marcas, que eram vermelhas mas não eram cicatrizes, parecia ser o espólio de uma agressão enorme. Aquela mulher, tão jovem e tão bonita, tinha cortes fundos pelos braços, tinha manchas negras pelas pernas, olheiras profundas e um olhar vazio, sem alma, e muito vivo. Seu vestido azul rasgado estava manchado de sangue em muitos e muitos pontos...

...Ela era bonita, muito bonita, e estava muito, muito machucada, mas mesmo assim era muito bonita. Tive inveja daquela beleza tão grande que eu olhava pelo espelho, sem coragem de me virar, talvez com medo de não a ver mais ali, sentada sobre a minha poltrona velha, medo de que ela desaparecesse como um fantasma, porque eu ainda tinha muito medo de fantasmas...

...Então, sem me virar, calculando a altura da minha voz pra não ferir o silêncio mais do que eu julgava necessário, decidi olhar fundo nos olhos dela pelo espelho e pelo espelho perguntar:

–Quem é você?...