quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

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O CARRO DO SOL 1 - JANDIRA ZANCHI



O CARRO DO SOL


1.

    Era uma noite de magos e fadas, clara em seu azul acetinado, pontilhada de estrelas brancas graúdas e móveis. No horizonte, o reino se despedia envolvido no mesmo azul sereno, vizinho de um deserto de areias douradas e macias. O cortejo movimentava-se como uma onda de leve impacto, sem ferir a noite e a graça de seu brilho, o silêncio quebrado por exclamações e risadas.
     Na frente seguiam os dois amigos, Alado e Mona, atentos a qualquer arrulhar das formas invariáveis que, sem acanhar-se de sua ausência de adornos, moviam-se em sombra e luz, ouro e prata, prometendo para breve o oásis e o milagre.
- Começo a me enamorar dessa iniciação de riscos e mandíbulas – começou Mona. Recebe-me como convidada de honra e posso divagar em suas nuvens de lírios.
- É um caminho de muito luxo, convicção e solidez.  Tem a leveza das verdades saudáveis, que não arrombam, nem desorientam, antes prendem em seu elástico fio de cobre – garantiu Alado.
- Essa serenidade não é o desapego do monge ou a simplicidade do camponês – avisou Mona. Mais que sabedoria é uma satisfação, um enlevo de si, da facilidade de si, sem o esforço e a técnica de muito corpo, pois localizado na mente é o espírito e nele se cria, expande-se, com pouca consciência individual no tema e no problema, na investigação do Universo.
- Mona falou perfeitamente – consentiu Alado. Minha discípula não decepciona quando novas exigências a convidam. Os senhores do Arco não ditaram a terra ou se conformaram segundo suas medidas. Porém, de todos os ventos escolheram os retilíneos e breves para se instalarem, orquestrando leituras e combinações de notas.
- Por isso a paz nas regiões de suas marcas – sorriu Mona. Aqui se pode viver 1000 anos sem o bruto esforço da contenção ou o perigo da infâmia. De todos os ditongos do tempo preferem os mais próximos ao infinito, os que melhor se harmonizam com o longo percurso da energia e suas formas.
- Pois a elas se dedicam – complementou Alado. São estudiosos, cientistas, e seus mitos exigem longo tempo, continuidade, gerações. Silêncio, sapiência, paciência, um dia encetado no outro, abrindo o seguinte, acompanhando em suas margens a magia e o encanto da estrela guia.
- Uma religião sem fé – observou Mona – mas de muita dedicação e recolhimento. Bem encerrada em seus fins, cumprindo adequadamente seu destino, a mônada satisfazendo-se nas boas ações da vida corretamente aproveitada, da proximidade do divino. Cumpre dizer que não é com arrogância e espalhafato que o deus do humano se levanta, antes é com essa humildade da genuflexão perante o Cosmo.
- Mona realmente compreendeu-os muito bem. Seu coração de poeta e menina deixou-se aventurar nas noites de longo porte, acessíveis em sua iluminação, desprovidas de maneirismo. Será uma boa discípula ao aprofundar-se nos meandros das teses e equações.
- Às vezes sinto-me temerosa de tanto desapego- observou a bela. Mas não falharei. São dados e serpentes os oráculos do tempo e suas leis. Tenho certeza que na extensão está escrito o código de cada sonho e o amor de nossos melhores bens.

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