O CARRO DO SOL
1.
Era uma noite de magos e fadas, clara em
seu azul acetinado, pontilhada de estrelas brancas graúdas e móveis. No horizonte,
o reino se despedia envolvido no mesmo azul sereno, vizinho de um deserto de
areias douradas e macias. O cortejo movimentava-se como uma onda de leve impacto,
sem ferir a noite e a graça de seu brilho, o silêncio quebrado por exclamações
e risadas.
Na frente seguiam os dois amigos, Alado e
Mona, atentos a qualquer arrulhar das formas invariáveis que, sem acanhar-se de
sua ausência de adornos, moviam-se em sombra e luz, ouro e prata, prometendo
para breve o oásis e o milagre.
- Começo a me enamorar dessa iniciação
de riscos e mandíbulas – começou Mona. Recebe-me como convidada de honra e
posso divagar em suas nuvens de lírios.
- É um
caminho de muito luxo, convicção e solidez.
Tem a leveza das verdades saudáveis, que não arrombam, nem desorientam,
antes prendem em seu elástico fio de cobre – garantiu Alado.
- Essa
serenidade não é o desapego do monge ou a simplicidade do camponês – avisou
Mona. Mais que sabedoria é uma satisfação, um enlevo de si, da facilidade de
si, sem o esforço e a técnica de muito corpo, pois localizado na mente é o
espírito e nele se cria, expande-se, com pouca consciência individual no tema e
no problema, na investigação do Universo.
- Mona
falou perfeitamente – consentiu Alado. Minha discípula não decepciona quando
novas exigências a convidam. Os senhores do Arco não ditaram a terra ou se
conformaram segundo suas medidas. Porém, de todos os ventos escolheram os
retilíneos e breves para se instalarem, orquestrando leituras e combinações de
notas.
- Por
isso a paz nas regiões de suas marcas – sorriu Mona. Aqui se pode viver 1000
anos sem o bruto esforço da contenção ou o perigo da infâmia. De todos os
ditongos do tempo preferem os mais próximos ao infinito, os que melhor se
harmonizam com o longo percurso da energia e suas formas.
- Pois a
elas se dedicam – complementou Alado. São estudiosos, cientistas, e seus mitos
exigem longo tempo, continuidade, gerações. Silêncio, sapiência, paciência, um
dia encetado no outro, abrindo o seguinte, acompanhando em suas margens a magia
e o encanto da estrela guia.
- Uma
religião sem fé – observou Mona – mas de muita dedicação e recolhimento. Bem
encerrada em seus fins, cumprindo adequadamente seu destino, a mônada
satisfazendo-se nas boas ações da vida corretamente aproveitada, da proximidade
do divino. Cumpre dizer que não é com arrogância e espalhafato que o deus do
humano se levanta, antes é com essa humildade da genuflexão perante o Cosmo.
- Mona
realmente compreendeu-os muito bem. Seu coração de poeta e menina deixou-se
aventurar nas noites de longo porte, acessíveis em sua iluminação, desprovidas
de maneirismo. Será uma boa discípula ao aprofundar-se nos meandros das teses e
equações.
- Às
vezes sinto-me temerosa de tanto desapego- observou a bela. Mas não falharei.
São dados e serpentes os oráculos do tempo e suas leis. Tenho certeza que na
extensão está escrito o código de cada sonho e o amor de nossos melhores bens.
Seja o primeiro a comentar:
Postar um comentário