quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

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Os meus mortos - Milena Martins

Agora que o cheiro do quarto
mudou
pro de um ano outro,
vindo do dia
embaçado
de uma lembrança
que não sei se inventei,
e as sombras na parede
são de um agora
passado
repetindo-se há milênios
nos braços
da saudade,
vou ver meus mortos.
Vou lhes dizer
que um dia
será
tarde demais.
Que nada dura.
Vou abraçar meus mortos,
passar um Natal
de infância
cheio do que nunca aconteceu.
Vou cantar pra eles
com uma voz antiga
alguma música
ainda não composta.
Contar-lhes uma história
que eles nunca viverão
diante dos meus olhos
por enquanto
vivos.
Vou beijar meus mortos
nos rostos
que já não têm
e lhes dar uma flor futura.
E aos meus mortos
vou dizer
que me assombram
com o poder do tempo
de insistir
no caos

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