terça-feira, 15 de janeiro de 2013

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SINFONIA DE SOCOS


Numa época onde a maior parte dos literatos se debruça sobre a convergência dos gêneros literários, questão esta, que está estampada em artigos, ensaios e resenhas, da mesma forma que etiquetas em roupas de boutique. Daniel Lopes não adentra nesta seara, em seu livro: Pianista Boxeador (Rio de janeiro, Confraria do Vento, 2011), o gênero literário está bem definido: O conto.
Mas não se engane. Tal definição não facilita o trabalho do leitor, pois as diversas camadas contidas na obra se revelam aos poucos durante as possíveis releituras, em meio aos contrastes entre: luz/trevas, vazio/afeto, corpo/espírito.
Ousando um pouco, podemos apontar Daniel como um autor de alma barroca, talvez por conta de sua ascendência mineira, pois a tentativa de conciliação das antíteses dentro de seus textos é vasta, a começar pelo título, o qual concilia a doçura que emana da música executada pelo pianista e a ferocidade necessária ao boxeador para definir uma luta.
Se sobre a estética barroca recaía a acusação de certa carência de conteúdo, por conta da falta de compromisso histórico, conforme escreveu Alfredo Bosi, a questão de fixação de gênero realizada em Pianista boxeador é exatamente, contrária ao que vigora na literatura de nossos dias. O conteúdo é posto a frente da forma, ou conforme prefere o autor: O fruto antecede a casca. Como apontou Bosi sobre a estética literária barroca: enfim todos os processos que reorganizam a linguagem comum em função de uma nova realidade: a obra, o texto, a composição.
O olhar da ternura divina focando seres submersos em trevas, está aí à antítese que percorre o livro, seja na narração em primeira pessoa, como ocorre no conto Porque delas é o reino do céu, onde a personagem-narrador por meio do recurso de flashback ascende à luz que a natureza negou sobre a personagem Marquinhos. Algo semelhante ocorre em Esse mundo não foi feito para alguém tão bonito como você, desta vez o raio de luz está sob Ângela, uma personagem que pode ser considerada metonímia de muitos corpos sem alma, os quais após a queda, têm como única meta conseguir a próxima pedra de crack.
A mudança de foco narrativo para a terceira pessoa em O Poço, não enfraquece a tensão encontrada entre as 198 páginas. Neste conto, assim como em A memória da Rocha a memória, mais uma vez ganha espaço entre as linhas, mas não de maneira nostálgica, pois o passado influencia fortemente, a vida das personagens no momento presente, tal qual escreveu o filósofo americano Jacob Needleman:
As emoções que fazem parte da nossa essência não mudam. São encobertas, mas grandes sentimentos independem do tempo. São sempre agora; nada sabem do futuro nem do passado.
Se o livro trata dos opostos, não poderia se deixada de lado a mais antiga oposição: Homem/ Mulher, encontrada no conto Saulo e Ana, o qual apresenta uma inventiva e principalmente, não gratuita, mudança de foco narrativo dentro do conto, possibilitando identificar como os gêneros sexuais podem enxergar de maneira, completamente diferente a mesma situação.
Em Descompor, Daniel parece cansado, pronto para abandonar seus personagens em meio às trevas: A humanidade não merece nada além de estrume. Um músico frustrado que desenvolve um método para extinguir suas composições, mas a luz permanece lá, pois por meio de tal estratégia, a salvação é dada ao ex compositor.
José Lemos Monteiro em seu tratado sobre estilística aponta que nem tudo que nasce dos sentimentos se torna arte, o que felizmente não é encontrado em O pianista, aplicando um traço estilístico em A felicidade é uma arma quente, o efeito do uso de cocaína é bem salientado, o qual permite ao leitor vivenciar as sensações do protagonista após o consumo da droga, por meio do ritmo da narrativa.
Como registrou Clarice Lispector sobre o ato de escrever, Daniel Lopes abençoa vidas que não foram abençoados por meio de sua escrita. Se a pós-modernidade pode ser considerada o auge do antropocentrismo, ela também é o recolher de dedo do deus de Michelangelo, mas o nosso autor retoma a magia de E.T., ascende à luz na ponta do dedo e ao invés de apontá-la para o céu, agarra uma caneta e escreve com o sentimento de restituir a redenção negada a todos os desajustados.








2 comentários

Anônimo

Resenha maravilhosa!!!! Você é muito bom nisso!!!!! Sabia que quase te pedi ajuda pra fazer a resenha do Renato? Parabéns!!! Te admiro!!!!

Marcia Barbieri

Anônimo

Sou só gratidão. Que resenha linda!
Muito obrigado mesmo,
Daniel Lopes