Numa época onde a maior parte dos
literatos se debruça sobre a convergência dos gêneros literários, questão esta,
que está estampada em artigos, ensaios e resenhas, da mesma forma que etiquetas
em roupas de boutique. Daniel Lopes não adentra nesta seara, em seu livro: Pianista
Boxeador (Rio de janeiro, Confraria do Vento, 2011), o gênero literário
está bem definido: O conto.
Mas não se engane. Tal definição não
facilita o trabalho do leitor, pois as diversas camadas contidas na obra se
revelam aos poucos durante as possíveis releituras, em meio aos contrastes
entre: luz/trevas, vazio/afeto, corpo/espírito.
Ousando um pouco, podemos apontar
Daniel como um autor de alma barroca, talvez por conta de sua ascendência
mineira, pois a tentativa de conciliação das antíteses dentro de seus textos é
vasta, a começar pelo título, o qual concilia a doçura que emana da música
executada pelo pianista e a ferocidade necessária ao boxeador para definir uma
luta.
Se sobre a estética barroca recaía a
acusação de certa carência de conteúdo, por conta da falta de compromisso
histórico, conforme escreveu Alfredo Bosi, a questão de fixação de gênero
realizada em Pianista boxeador é
exatamente, contrária ao que vigora na literatura de nossos dias. O conteúdo é
posto a frente da forma, ou conforme prefere o autor: O fruto antecede a casca.
Como apontou Bosi sobre a estética literária barroca: enfim todos os processos que reorganizam a linguagem comum em função de
uma nova realidade: a obra, o texto, a composição.
O olhar da ternura divina focando
seres submersos em trevas, está aí à antítese que percorre o livro, seja na
narração em primeira pessoa, como ocorre no conto Porque delas é o reino do céu,
onde a personagem-narrador por meio do recurso de flashback ascende à luz que a natureza negou sobre a personagem
Marquinhos. Algo semelhante ocorre em Esse
mundo não foi feito para alguém tão bonito como você, desta vez o raio de
luz está sob Ângela, uma personagem que pode ser considerada metonímia de
muitos corpos sem alma, os quais após a queda, têm como única meta conseguir a
próxima pedra de crack.
A mudança de foco narrativo para a
terceira pessoa em O Poço, não
enfraquece a tensão encontrada entre as 198 páginas. Neste conto, assim como em
A memória da Rocha a memória, mais
uma vez ganha espaço entre as linhas, mas não de maneira nostálgica, pois o
passado influencia fortemente, a vida das personagens no momento presente, tal
qual escreveu o filósofo americano Jacob Needleman:
As emoções que fazem parte da nossa essência não mudam. São encobertas,
mas grandes sentimentos independem do tempo. São sempre agora; nada sabem do
futuro nem do passado.
Se o livro trata dos opostos, não
poderia se deixada de lado a mais antiga oposição: Homem/ Mulher, encontrada no
conto Saulo e Ana, o qual apresenta
uma inventiva e principalmente, não gratuita,
mudança de foco narrativo dentro do conto, possibilitando identificar como os
gêneros sexuais podem enxergar de maneira, completamente diferente a mesma
situação.
Em Descompor, Daniel parece cansado, pronto para abandonar seus
personagens em meio às trevas: A humanidade
não merece nada além de estrume. Um músico frustrado que desenvolve um
método para extinguir suas composições, mas a luz permanece lá, pois por meio
de tal estratégia, a salvação é dada ao ex compositor.
José Lemos Monteiro em seu tratado
sobre estilística aponta que nem tudo que nasce dos sentimentos se torna arte,
o que felizmente não é encontrado em O
pianista, aplicando um traço estilístico em A felicidade é uma arma quente,
o efeito do uso de cocaína é bem salientado, o qual permite ao leitor vivenciar
as sensações do protagonista após o consumo da droga, por meio do ritmo da
narrativa.
Como registrou Clarice Lispector
sobre o ato de escrever, Daniel Lopes abençoa vidas que não foram abençoados
por meio de sua escrita. Se a pós-modernidade pode ser considerada o auge do
antropocentrismo, ela também é o recolher de dedo do deus de Michelangelo, mas
o nosso autor retoma a magia de E.T., ascende à luz na ponta do dedo e ao invés
de apontá-la para o céu, agarra uma caneta e escreve com o sentimento de
restituir a redenção negada a todos os desajustados.
2 comentários
Resenha maravilhosa!!!! Você é muito bom nisso!!!!! Sabia que quase te pedi ajuda pra fazer a resenha do Renato? Parabéns!!! Te admiro!!!!
Marcia Barbieri
Sou só gratidão. Que resenha linda!
Muito obrigado mesmo,
Daniel Lopes
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