Precisava
que qualquer rosto surgisse à minha frente naquele instante, qualquer rosto
familiar, qualquer conhecido, um rosto posto, alguém que tivesse passado ao
longe pela rua e eu tivesse gravado seu rosto apenas. Precisa de todos,
precisava mandar uma encomenda. Odiava essa vulnerabilidade de precisar de
alguém, essa fraqueza, alguém que eu nunca tivesse trocado nem três dedos de
prosa, mas que eu precisava desesperadamente. Era uma simples encomenda, por que
então tanto desespero? O fato visceral de precisar, de mostrar-se necessitado?
Havia
chegado à estação rodoviária às sete e trinta da noite, já passara um ônibus,
havia mais dois por vir. Estava sentado na quarta fileira dos bancos de espera,
atento aos rostos; as vozes formigavam alvoroçadas junto ao arrulho dos pombos
que se alojavam e cagavam nos ferros sob o teto da estação. Os rostos se
embolavam num vaivém de passos, conversas e buzinas de ônibus que anunciavam
mais uma partida às estradas da alta noite com suas curvas e placas e faixas e luzes
baixas. Eu atento. Cada rosto incomum, e eu abraçando a todos, comungava com
todos naquele amontoado de corpos indo para lá e para cá com seus gestos,
olhares, risos, sorrisos e silêncios concentrados, tão para si voluntariamente.
"Para-si", dizia o filósofo... Assim estamos. Mas de tudo mesmo: um
rosto apenas que acolhesse o socorro que tanto implorava, e odiava. Outro
qualquer então? Mas eu não podia mandar por qualquer um, o embrulho era
importante.
Uma
hora e meia depois, fracassado de encontrar o tal rosto ao acaso, direcionei-me
ao guichê: vinte desgraçados reais para despachar a encomenda – ponto final.
Braço estendido para o coletivo que se aproximava na parada, rumo ao centro,
sentei à esquerda para a janela, ao meu lado assento vazio, a viagem segue. A
cada novo rosto que tomava o coletivo, eu gritava à sua presença que
comparecesse ao meu lado naquelas horas alheias. Um rosto refletido na janela
do coletivo se misturando a tudo que passava e precisava.