sábado, 9 de fevereiro de 2013

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Os tantos rostos que preciso


Precisava que qualquer rosto surgisse à minha frente naquele instante, qualquer rosto familiar, qualquer conhecido, um rosto posto, alguém que tivesse passado ao longe pela rua e eu tivesse gravado seu rosto apenas. Precisa de todos, precisava mandar uma encomenda. Odiava essa vulnerabilidade de precisar de alguém, essa fraqueza, alguém que eu nunca tivesse trocado nem três dedos de prosa, mas que eu precisava desesperadamente. Era uma simples encomenda, por que então tanto desespero? O fato visceral de precisar, de mostrar-se necessitado?
Havia chegado à estação rodoviária às sete e trinta da noite, já passara um ônibus, havia mais dois por vir. Estava sentado na quarta fileira dos bancos de espera, atento aos rostos; as vozes formigavam alvoroçadas junto ao arrulho dos pombos que se alojavam e cagavam nos ferros sob o teto da estação. Os rostos se embolavam num vaivém de passos, conversas e buzinas de ônibus que anunciavam mais uma partida às estradas da alta noite com suas curvas e placas e faixas e luzes baixas. Eu atento. Cada rosto incomum, e eu abraçando a todos, comungava com todos naquele amontoado de corpos indo para lá e para cá com seus gestos, olhares, risos, sorrisos e silêncios concentrados, tão para si voluntariamente. "Para-si", dizia o filósofo... Assim estamos. Mas de tudo mesmo: um rosto apenas que acolhesse o socorro que tanto implorava, e odiava. Outro qualquer então? Mas eu não podia mandar por qualquer um, o embrulho era importante.
Uma hora e meia depois, fracassado de encontrar o tal rosto ao acaso, direcionei-me ao guichê: vinte desgraçados reais para despachar a encomenda – ponto final. Braço estendido para o coletivo que se aproximava na parada, rumo ao centro, sentei à esquerda para a janela, ao meu lado assento vazio, a viagem segue. A cada novo rosto que tomava o coletivo, eu gritava à sua presença que comparecesse ao meu lado naquelas horas alheias. Um rosto refletido na janela do coletivo se misturando a tudo que passava e precisava.