sábado, 9 de março de 2013

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400 MILHÕES DE LIBRAS





Tomo a palavra nesta tribuna para, em nome da nossa comissão, me manifestar a respeito da confecção das cartilhas com o alfabeto Libras - Língua Brasileira de Sinais, popularmente conhecido como alfabeto do surdo-mudo.

Temos hoje no país aproximadamente 2 milhões de indivíduos com deficiência auditiva severa, que não querem e não merecem ser tratados como gente de segunda categoria. Por sua vez, os esforços de inclusão social empreendidos pelo governo vêm privilegiando sobretudo as pessoas com necessidades especiais, merecedoras do nosso respeito e do inalienável direito à cidadania.

Isto posto, decidimos inovar, produzindo algo diferente do costumeiro abecedário dos surdos impressos em grafiquetas de esquina e com aquelas mãozinhas horríveis uma ao lado da outra, mostrando letra por letra. Queríamos algo que de fato prestigiasse a notável e pujante categoria dos surdos, que numericamente justificaria inclusive uma bancada que os representasse no Congresso.

Assim, um lote de cartilhas foi confeccionado com fotos de Sebastian Salgado e Bob Wulfenson, tendo os sinais das mãos executados por celebridades e socialites de todos os Estados brasileiros. O outro lote deixamos a cargo do renomado artista plástico Romero Brites, que aceitou a encomenda e criou para cada sinal um quadro exclusivo, empreitada que lhe tomou mais de um ano de trabalho. Em ambos os casos, o resultado foi maravilhoso. E a satisfação que tivemos depois de tudo pronto foi muito maior que a nossa amargura pelas caluniosas suspeitas de superfaturamento que pairam sobre a nossa comissão.

Fomos duramente questionados pelo fato de imprimirmos 400 milhões de cartilhas. Entendemos que não há exagero nessa quantidade, uma vez que os deficientes auditivos já conhecem o alfabeto Libras e, consequentemente, os livrinhos não se destinariam a eles, e sim à população em geral - que desconhece a linguagem e que precisa dela para se comunicar com os surdos.

Se fôssemos seguir a lógica de alguns parlamentares da oposição, que entendem que as cartilhas com o Código Libras deveria ser distribuída apenas entre os surdos, evidentemente que 400 milhões seria uma tiragem absurda, já que cada surdo receberia 200 cartilhas, num verdadeiro atentado aos cofres públicos.

Mas o nosso raciocínio foi muito mais abrangente e democrático. Arredondando a população brasileira para um total de 200 milhões de habitantes, e sendo conveniente que cada cidadão receba dois exemplares (um para ter sempre à mão e outro para deixar em casa, na eventualidade de algum extravio), chegamos ao número de 400 milhões. Justo e sem desperdício.

Desse montante, alguns poucos milhares de cópias serão separadas para envio a organismos internacionais e embaixadas de países com os quais mantemos relações diplomáticas. Assim mostraremos ao mundo a sensibilidade do governo federal em relação ao problema e os vultosos investimentos que destinamos para minimizá-lo.

A próxima etapa, ainda em fase de licitação de fornecedores, consiste em exibir o alfabeto Libras na forma de animações 3D, em gigantescos painéis de LED afixados nas praças públicas e estações de metrô. Dessa maneira poderemos disseminar, em outras e ainda mais atraentes mídias, esse importante instrumento de integração genuinamente brasileiro.


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2 comentários

andre albuquerque

...e muitas libras (esterlinas) a inflar as contas bancárias dos detentores de tanta criatividade;excelente crônica , falou pelas linhas , entrelinhas e supra-linhas.Forte abraço.

Marcelo Pirajá Sguassábia

Valeu, André! AGradeço com todas as letras e todos os sinais...