quinta-feira, 2 de maio de 2013

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CONTAÇÃO: "Um conto de Herberto Helder", por M.Mei

      Hoje trago para o CONTAÇÃO um conto de Herberto Helder, publicado em Os passos em volta, seu primeiro livro de prosa (1963). O poeta, que vive em Lisboa, é possivelmente um dos maiores representantes vivos da poesia portuguesa. Devido à sua vida de "não pertencimento", Helder é considerado por muitos críticos e estudiosos de sua obra como um espírito errante. Sua poesia é obscura, às vezes dissimulada, e seus versos estilhaçados podem fazer com que o leitor o abandone se não estiver disposto a se entregar, de corpo e alma, ao mundo alucinado e hermético que ele constrói  Mundo ao qual pertence também sua prosa, com a diferença de que ela pode ser interpretada um pouco mais facilmente, talvez até pela organização estrutural do gênero. 
     Os passos em volta é um livro marcado pela solidão e pela melancolia. Uma melancolia não do desinteresse pela vida, mas do desajuste, do "não pertencimento". E é por esta razão que, como bem descreve Nelson de Oliveira, "contos como esses, longe de simplesmente entreter e deleitar, provocam e inquietam, revelando o triunfo até então invisível e silencioso da solidão de que somos constituídos (...)". 




***

TEORIA DAS CORES
(Herberto Helder)

Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos fatos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor — sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exatamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efetuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo.

(conto do livro Os passos em volta, de Herberto Helder, publicado no Brasil pela Azougue Editorial em 2005)

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