Uma
pequena. Chave de abrir pequenas coisas. Armários, caixas, memórias...
E
de papel. O coração da infância. Vetusto coração infantil. Ainda lembrava? Do
olho, do cabelo? Não importava. Agora já não importavam os detalhes. Importava
o gosto bom. Da infância. O tempo de sofrer e sentir com força. Toda a força do
mundo. Tempo de olho brilhante. De coração sensível às cores de todas as
sensações.
Lembrava
de alguma coisa. Pela fenda que o tempo algumas vezes abria. Voltava. Corria
para o passado. Não como fuga. Mas como força. Escorria pelos buracos do
passado e lá. Com a chavezinha abria as portas da infância. E voltava guri.
Sorrindo.
E
lá estava ela. A menina. Já indefinida.
Esfumaçada. Mas ainda bela. Juntos. Carta no cofre. Pequeno cofrinho vermelho.
A carta. Rabiscos. Riscos. Emoções em estado primário. Época de cheiros e gostos
latentes. Suco de laranja. Melancia, sorvete. Cheiro de terra molhada, de pão
feito em casa. Tudo ali. No cofrinho. Guardados. Preservados. Esquecidos?
Nunca.
Havia sempre um olhar fugidio pelas ruas. Reconstrução dela. A menina. Cabelos
aqui. Um sorriso ali. Os olhos. Nos olhos ele morria. Guri. Perdia a noção do
real. Rosto vermelho. Palavras amontoadas que se precipitavam da boca. Gaguejar.
Sorriso de bobo. Quando lembrava essas sensações sentia o gosto de picolé-Minissaia.
Chocolate e morango.
Até
a buzina ouvia. Dentro dos olhos que não via mais. A buzinada, o gosto, a vida.
Os
nomes escritos em letras grandes e trêmulas.
E
a chave. Em sua mão. O sorriso dela. Era o guardião do segredo. Ele. O senhor
do cofre. O coração de papel. Também ele. Guardado. Protegido.
E
então o tempo. Vasto e interrupto. E as distâncias. E as outras coisas todas. Tudo
se interpondo. Obstáculos. O paladar já não era o mesmo.
Os
olhos de não ver infâncias. Quando observava suas fotos atuais, percebia o olho
morto do adulto. Olho sem brilho. Olho de ver tudo e nada. Sombrio olho de
realidades postas. Na memória o olho brilhava. Cintilava com a intensidade do
coração. A estranha sensação da outra mão na sua. A chave. O segredo da
infância. Para sempre. A menina sorrindo... se esvaindo em lembranças
imprecisas.
O
que mais cabia no cofre? O que mais cabia nele mesmo?
Onde
andaria a chave? Esquecera. Perdera. Ou jogara fora? Não sabia mais. O que
sabia?
Sabia
que não era criança. Pretendia. Queria voltar. Subir nas árvores. Tomar banho
de chuva. Queria identificar por inteiro o rosto da menininha que brincava de
confundir-lhe. Como seria hoje. O tempo...
Os
lugares da infância. Não se atrevia mais. Devia estar em um deles. Mas ficaria
por lá. Espaços para não-adultos. Cheios de mágica e segredos. O corpo adulto
não entenderia. Lugares de aventuras e sensações originais. Lugar de monstros e
fadas e demônios. E heróis e amores...
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