segunda-feira, 22 de julho de 2013

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INFERNO EM SALTO ALTO

INFERNO EM SALTO ALTO
®Lílian Maial



 
 
 
Há dias em que é melhor não levantar da cama, pular o calendário e esquecer a data.
Pois bem, num desses dias furtaram meu velho e querido celular. Sim, esse objeto dramático, que invade nossas vidas, guarda nossos segredos, escuta nossas mágoas, alivia nossa ansiedade. E ainda atende às nossas ligações. Ele foi feito pequeno, cada vez menor, para ser levado no bolso. Acontece que bolso está fora de moda, ainda mais em roupa de mulher. Então, para onde quer que eu vá, tenho que andar com aquele tijolinho falante nas mãos.

Estava eu no trabalho, com um copo e uma colher para lavar, em uma das mãos, e o celular na outra. Como não podia deixá-lo molhar, pousei cuidadosamente o aparelho sobre a bancada da pia, longe dos respingos, e tratei de cuidar do que tinha ido fazer.

Nisso, um velho conhecido me descobriu na copa e me chamou, com aquela alegria bem característica, exigindo, naturalmente, atenção e demonstração de afeto. Claro que eu me esqueci de pegar o celular e lá fui eu falar com o indivíduo, segurando o copo molhado, numa das mãos, e o talher, na outra.

Depois de um diálogo rápido, mas suficiente para me distrair, voltei para minha sala. Quando quis fazer uma ligação, dei por falta do celular. Veio aquele frio na espinha, de quem se vê diante de problemas e não quer acreditar. Procurei por tudo que foi lugar, refiz as ações dos últimos trinta minutos, voltei à copa, mas não mais o encontrei. Droga! Minha lista de contatos, minhas fotos queridas, meu aparelho sob medida! 

Liguei do telefone de uma colega, na esperança de que alguém o tivesse encontrado e guardado, mas quem o achou o desligou, denotando a intenção de não devolvê-lo. Droga! Será que no meu local de trabalho coabitam bandidos? Custei a me convencer de que havia sido furtada ali.

Bem, já que estava tudo perdido, agora era bloquear o aparelho e a linha. Feito isso, parti para adquirir novo celular. E aí é que começou o problema: meu antigo aparelho era simplesinho, basicamente só um telefone que também tirava fotos e tinha alarme despertador.

Na loja operadora da minha linha, o atendente, superatencioso, dizia, com toda a ênfase, que eu tinha pontuação para tirar um megacelular, um smartphone inteiramente grátis!

- Que inferno! Eu quero um igual ao meu que foi furtado!

- Não tem mais, senhora (cadê a senhora?), é ultrapassado, agora são todos modernos...

Já fiquei fula com esse “senhora”, com a vozinha arrastada, meio de deboche. E ainda me vem com a insinuação de que meu celular era démodé?

- Bem, já que não tem igual, então me veja um bem simples e de fácil manuseio.

- Ah! Senhora (caceta...), todos agora são de fácil manuseio, que até uma criança de colo consegue usar... (Já estava começando a gostar da criatura...)

- Senhora (porra, para!), este aqui é o mais simples, mas a senhora (é a mãe!) tem direito a um aparelho fabuloso e de graça! Este aqui, o mais sem graça, só tem câmera, tecladoqwerty, touchscreen, internet, wi-fi, 3G, acesso a Skype, Facebook, Twitter, Instagram, correio eletrônico, play store e poucas coisas mais.

- Ele faz ligações telefônicas?

- Faz, senhora...  (merda, que saco!)

- E como funciona?

- Veja, é simples: a senhora (vou mandar esse sujeito pra PQP se falar senhora de novo!) toca na tela, escolhe o contato, o browser, checa a rede social, clica no ícone. Antes tem que completar a lista de contatos, mas ligar é facinho.

- E pra acertar o despertador?

- A senhora (Ah, não, não vou tolerar mais isso!) digita o número e salva (disse isso com a cara mais babaca que eu já vi).

- Mas como salva, salva onde?

- Bem, senhora (vou estrangular esse cara!), aí tem que ler no manual.

Gostei desse camarada, mas ele definitivamente não estará na minha lista de contatos...

Enfim, estava com um celular touchscreen... Pensando o quê? Nada mais de ficar ligando sem querer para qualquer pessoa pelo fato de o celular na bolsa encostar em alguma coisa. Que nada! Agora é tocar na tela e escolher a função...

Tudo ótimo! Imediatamente comprei capinha moderninha e espalhei a notícia para a família e amigos mais chegados. Estava novamente conectada! O carinha safado – o senhor - me ensinou a colocar uma senha de bloqueio de tela. Coisa chique. Alfanumérica, tá legal? Não é pra qualquer um, não... Perua de lei! E protegida por senha!

Saí da loja no salto alto, toda elegante, de smartphone. Até que o telefone tocou. E agora? Como é que faço para atender? O cara não me explicou como se atende essa geringonça, como se desbloqueia a senha! Só sabia me chamar de senhora pra cá, senhora pra lá, o sacana!

Apertei tudo que foi botão e nada. Som alto, todo mundo me olhando no shopping, como quem diz: - Porque a perua não atende essa porra de smartphone?

Já estava desesperando, pensando em jogar o dito cujo na primeira lixeira que avistasse, quando me veio a ideia de desligar o troço. No que toquei no botão de desligar, ele silenciou e apareceu um telefoninho verde na tela. Ouvi uma voz ao longe:

- Alô! Alô! Você está aí? (Era mamãe).

- Oi, mãe! Sim, sou eu!

- Porque demorou tanto a atender?

- Nada, não, mãe, é que meu salto quebrou...


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