sábado, 31 de agosto de 2013

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Pequenas histórias 67









Tinha ódio quando o mandavam fazer serviço de rua. Não adiantava reclamar, acabava fazendo, como agora. Mais de três horas na fila. Quando chegou a fila virava o quarteirão. Depois de três horas é que entrou no prédio. Ainda bem, pois começava a chover. Mesmo assim, os respingos da chuva batiam na perna da calça. Esticou o pescoço por cima do ombro do rapaz a sua frente. Havia umas “quatrocentas” pessoas para serem atendidas.
- O que foi? Está querendo passar na mina frente, é? – perguntou o rapaz.
- Não nada disso. É que estou aqui a mais de quatro horas e essa merda de fila não anda.
- É a primeira vez?
- Sim, é.
- Ih, então trate de se acalmar. Aqui é assim mesmo, demorado pra caralho.
- È um absurdo, um desrespeito. Onde já se viu isso!
- Brasil.
- O que?
- Só no Brasil que se vê isso.
- O que essa cambada de preguiçosos fazem?
- Nada.
- Estou vendo.
- Olha o nosso guichê.
- O que tem?
- Veja, a senhora que está atendendo. Atende com pouco caso, fazendo tricô e comendo seu sanduíche, mal dando atenção ao rapaz... E não é só ela, é em todos os guichês.
- Por que não manda embora um funcionário relapso como ela?
- Funcionário público.
- O que tem funcionário público?
- Nunca é mandado embora. Olhe, o pessoal que vem aqui é macaco velho. Veja aquele ali. Deixa seu lugar guardado e sai vendendo salgadinhos. Disse que conseguiu comprar um carrinho. Acredita?
- Acreditar não acredito, mas tudo é possível nessa vida.
- Minha velha e querida mãe que está no céu dizia: “Nesta vida, meu filho tudo é possível. Impossível é Deus pecar e mulher mijar na parede.”
- Hoje em dia acho que até mulher mija na parede.
- Olhe aquele outro na fila ao lado. Aquele, sentado na cadeira de praia. Faz todo trabalho de escola aqui. Está no último ano.
- Estou vendo que vou sair daqui só amanhã.
- Isso não, eles dão uma senha.
- Então vou ter que voltar aqui amanhã.
- Claro, mas isso não é o pior.
- Não! E o que é pior que isso?
- Você ser mandando de um guichê para o outro.
- Como assim?
- Não pense que ao chegar ao guichê, àquela boa senhora vai carimbar o seu documento e te mandar embora. Vai nada. Tem sempre alguma coisa faltando, outro documento, uma certidão, um requerimento. Aí ela te manda para o outro guichê para providenciar o documento faltando. Às vezes é uma simples assinatura, mas assim mesmo ela te manda para outro guichê e, assim sucessivamente você vai de guichê em guichê até quando não se sabe.
- Credo! Você está exagerando.
- Estou é! Bem até posso estar, mas que você vai de guichê em guichê até que eles se deem por satisfeito. Espere e verá.
Não quis acreditar no que o rapaz dissera. No entanto, estava ali mais de cinco horas! Será que o rapaz está com a razão? Bom, que tivesse, o negócio é esperar mesmo. Sentou no chão e encostou as costas no pilar. De repente, era como se flutuasse, como se um vento leve batesse nele e fizesse com que saísse do chão. Que esquisito! – pensou. Olhou para os lados e viu dois dedos segurando-o pela borda. O que? Sou um papel? Não pode ser como? Sim, se transformara num papel. Estava sendo carregado pelo rapaz que estava na sua frente. Num ângulo esquisito, de baixo para cima, viu o rosto do rapaz, a narina com os dois buracos. Credo! Foi passado pela abertura do guichê. A velha e boa senhora com rispidez pegou o papel que era ele, olhou, depositou no balcão e pegou no carimbo para carimbá-lo.
- Não espere! Não carimbe, sou eu, não sou papel! – começou a gritar desesperadamente.
- Hei! Calma, levanta cara, é a sua vez.

- Ahn! O que... A desculpe cochilei.
- E estava tendo pesadelo. – riu o rapaz

 
pastorelli

 

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