Enquanto você lê esta carta,
muita coisa se perdeu: da indescritível contrição de minha alma, suprema
angústia, que verte através de meu punho esquerdo nessa grafia imprecisa,
ziguezagueante e tonta; à umidade do papel que, agora seco, outrora sorveu
parte das lágrimas deste inverossímil remetente. Pouco importa como estes
parcos arranjos de letras, sílabas, palavras, sentenças chegarão aos teus
sentidos; saiba que valem cada árvore derrubada para a preparação de redação
simples em folha; ainda que você a despreze, de novo e de novo, como é teu o
costume de negligenciar a essência em detrimento de outros tantos retalhos insignificantes,
duma existência reles.
Que fique desde já grafada a
ferro e fogo, como se marca o gado, a minha desaprovação a esse teu comportamento
mesquinho, ao teu egoísmo; o que credito a mais absoluta falta de sensibilidade.
Entretanto, e apesar disso,
prossigo. Faço votos que em momento oportuno você retorne a estas mal traçadas
linhas, este raciocínio torto de poeta, de quem tenta enxergar por frestas, ou
através da bruma.
Vale lembrar que o tubo de pitot
foi inventado pelo engenheiro francês Henri Pitot no inicio do século XVIII e
aprimorado na metade do século seguinte pelo cientista Henry Darcy ao seu
formato atual. Este simples aparato é largamente utilizado em aeronaves para a
medição da velocidade.
O medidor de pitot consiste em fino
tubo alinhado na direção do fluxo atmosférico, ou seja, alinhado à direção de
voo. Outra abertura é alinhada ortogonalmente ao fluxo de ar, em geral num
plano paralelo à superfície da fuselagem. Essas tomadas de ar apresentam duas
diferentes pressões: a primeira delas diz respeito à pressão de estagnação,
enquanto a outra se refere à pressão estática. Ambas as pressões são confrontadas,
conduzidas aos lados opostos de um vaso com diafragma central, de modo que a
deformação desta membrana está associada à pressão dinâmica de fluxo. A pressão
dinâmica é também igual à metade da densidade do ar vezes a velocidade da
aeronave ao quadrado, sendo então possível a avaliação dessa grandeza.
Mas esta velocidade é medida em
relação a qual referencial? A aeronave está viajando no espaço e para a
sustentação interessa apenas a sua velocidade com relação ao fluxo de ar. Em
última análise, pouco interessa a velocidade da aeronave com relação ao solo. A
sustentação pode ser garantida mesmo com esta parada, desde que seja provido
necessário fluxo ar, como é o caso dos ensaios em túnel de vento.
Habitando essa nossa pedra
celeste, somos bombardeados por flutuações da pressão de estagnação advindas do
meio. Estas ondas sonoras que viajam pelo ar chegam aos nossos tímpanos – as
membranas internas dos nossos ouvidos. Doutro lado do tímpano há a pressão
interna do aparelho auditivo, e a modulação da pressão dinâmica resultante é o
que possibilita o sentido de audição.
Os padrões se repetem. Por
analogia, podemos pensar nas demandas do mundo externo a se chocarem com as
nossas expectativas mais íntimas – abordando a questão pelo viés da psicologia.
As pressões conscientes se contrapõem àquelas inconscientes resultando daí o
estado de espírito mais ou menos depressivo, mais ou menos maníaco. Enfim, a
tênue fronteira entre o equilíbrio mental e a loucura.
Todos estes problemas estão
associados à acomodação dos opostos em cada um desses pontos de medida, à nossa
experiência. O frio e o calor, o leve e o pesado, a luz e a treva: são facetas
da realidade última que é.
A percepção da realidade é
atributo intrínseco à vida em todas as suas formas, das mais simples aos mais
complexos organismos. E viver não passa de uma viagem no fluxo de eventos do
espaço-tempo.
Por isso tudo, imagine dentro de
cada uma de nossas cabeças um buraco negro, uma dobra do espaço-tempo, um ponto
onde o observador se funde ao universo de eventos, com potencial de
realimentação das expectativas, da geração de respostas criativas e
reorganização dos padrões da realidade.
Se for isso mesmo, dobra no
espaço-tempo, cada criatura pode ser representada por uma onda se propagando no
oceano que é o universo. Uma dobra, uma onda, um vinco que surge pequenino da
surpresa de aperceber-se vivo até a sua completa reintegração ao fluxo cósmico.
E fique desde já grafado a ferro
e fogo, como se marca o gado: enquanto você lê esta carta, muita coisa se
perdeu. Noutro canto, entretanto, brotos nascem das sementes de sonhos.
1 Comentário
Caro Xerxes,
recebo sua carta e flagro que a vida pesa e os murmúrios vêm da nossa consciência.Cada dia abro a janela e escuto os ritmos do mundo.
Abraços,
Tânia.
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