Terminei
agora a leitura cuidadosa, quase um estudo, de nossa antologia de contos O
Mistério Das Sombras.
A
referida antologia, organizada por Afobório e publicada no último mês de
setembro pela Editora Multifoco, conta com a participação de trinta e cinco
contos de diferentes autores, escritos em homenagem ao famoso escritor
estadunidense Edgar Allan Poe.
Referi-me
a obra no primeiro parágrafo como “nossa antologia de contos”, pois me sinto um
afortunado pelo fato do conto Convalescença, de minha autoria, ter sido um dos
trinta e cinco selecionados para compor a antologia.
Digo
isso porque após a leitura cuidadosa do livro, que recebi pelos Correios
algumas semanas atrás, é patente o esmero com que cada autor se dedicou ao conto,
de modo a compor um conjunto consistente e conteúdo narrativo de primeira
grandeza.
Acabei
por não conseguir cumprir o desafio que eu mesmo me propus quando respondi às
questões enviadas pelo Afobório para a entrevista da antologia: “Escolha o seu
preferido!” – vide a terceira parte desse texto. De fato, como escolher um
conto dentre trinta e cinco histórias tão criativas quanto distintas, cada qual
uma sincera homenagem ao grande mestre do suspense? Impossível.
Este
texto era para ser uma resenha, mas acabou saindo assim: um agradecimento aos
trinta e quatro colegas autores com os quais compartilho dessa fascinante experiência
no âmbito das letras.
O
título que escolhi para o texto – O brilho das sombras – pode à primeira vista soar
paradoxal, racionalmente destituído de sentido. Mas trata-se de uma alusão às
quatro potências da cosmogonia que regulam o fluxo dos fenômenos naturais: a
construção (a gota clara representando o yang), a destruição (a gota escura
característica do yin), a criação (o pequeno círculo claro interior ao yin) e a
regeneração (o pequeno círculo escuro do yang).
Quero
dizer com isso que a literatura se renova; ela definitivamente não está
restrita a um conteúdo estanque representado pelos medalhões do passado. Cada
um de Vocês é único. Uma estrela singular no universo. Que brilhem com todas as
suas forças!
A
segunda parte desse texto traz trechos selecionados dos doze contos que mais me
sensibilizaram, seguindo a ordem em que os mesmos aparecem na obra. A terceira
parte, como já mencionado, diz respeito a minha entrevista concedida para a
antologia.
* * *
Afobório
et al., “O Mistério Das Sombras”, EDITORA MULTIFOCO, ISBN: 978-85-8273-324-0,
Rio de Janeiro, 2013.
1
Uma Canção Ao Desastre
E
toquei como nunca antes tocara, como nunca antes sonhara em tocar, o arco
dançando sobre o violino como o tempo em torno do ser – e eu senti – seus
olhares, seus corações, suas almas hipnotizadas, sua mente se prendendo àquilo
como que por magnetismo.
2
Nas Terras Do Poderoso Senhor Valdez
Chamou-nos
a atenção a coloração esverdeada à volta da ferida. Cutucando com o canivete, o
ferimento mostrava-se profundo. Profundo e verde.
3
A Estranha Família K
O
silêncio daquele lugar era absoluto. Nenhum ruído saía da mata, nenhum bicho,
pássaro, ou mesmo o vento, davam o ar da graça. Nada se movia ou fazia barulho,
era como se eu estivesse cruzando um lugar desfeito de vida, onde o tempo não
existia, ainda assim, me sentia observado por milhões de olhos, sendo julgado e
sentenciado.
4
A Maldição
Algo
naquele olhar e naquelas palavras fez com que eu engolisse seco. Meu coração
acelerou denunciando o inesperado e inexplicável nervosismo que estava
sentindo, mas meus amigos estavam lá, zombando.
5
As Irmãs Fox
Pensou
por trás do antiquado cavalheirismo, que aquilo tudo, poderia ser uma farsa
grotesca, à custa de um trabalho insano, mas com excelentes dividendos para a
fé.
Hydesville,
apenas uma parada no meio do nada, vizinha de New York apenas três centímetros
medidos no papel do mapa; na prática, um mero intervalo empoeirado entre o nada
e coisa nenhuma, em mil oitocentos e quarenta e sete.
6
Edgar
Aos
poucos os olhos se acostumam ao breu e enxergam os contornos da beira das
estradas do interior. As pastagens vastas e calmas. Os animais. Os montes. Ora
ou outra, um trecho de mata fechada. Um ou outro vilarejo e a imagem favorita:
os casebres perdidos no meio do nada.
7
O Busto De Clitemnestra
Renasci
com um novo nome, Alberich Klein, especializei minha arte de escultor, para
confeccionar bustos para famílias burguesas.
Com
o tempo, acabei caindo nas graças de alguns mecenas mais poderosos que me
patrocinaram. Fico pensando se eles realmente se enxergavam da forma como os
representava na escultura ou se percebiam que, conscientemente, eu suavizava
suas marcas mais obtusas.
8
O Dragão
Sua
maior paixão era quedar-se ali na varanda ensombrada a observar sua fazenda de
chá, onde os trabalhadores chineses mourejavam aumentando sua fortuna já
imensurável. Era um patrão cruel com aqueles a quem considerava uma forma de
vida inferior, que devia ser esmagada, espremida, sugada de toda a energia
produtiva. E tinha a lhe garantir essa tirania, a pior malta de capatazes
possíveis de se arranjar. Alguns malaios, alguns mongóis e alguns portugueses.
Todos com passados obscuros e que a ele deviam alguma coisa.
9
O Mistério Da Bruma Verde
Um
vento forte caiu sobre ele carregando consigo as folhas e um destino incerto...
E a despeito do medo que agora o invadia os sentidos o homem seguiu em frente.
10
Olhos Azuis
Lembro-me
da gente maior, quando a minha turma acabou. Cada um foi para o seu lado. Acho
que chega um momento na vida que a solidão cabe melhor a todos, ao menos foi
assim com a gente...
Louco,
os faróis dos carros passando animavam a minha alma reluzente e sem caminho
certo. Eu sabia o que procurava, mas não imaginava uma rota para o inferno...
11
Parte De Algo Maior
Ela
atravessa a rua assim que sua vítima se desprende do resto da manada, seus
saltos altos ecoam facilmente desafiando o barulho da chuva, e antes que ele
pudesse apertar o controle do alarme do carro, ela já o alcançava veloz e
decidida. Retirou o capuz da capa vermelha para poder ver, e ser vista.
12
Sasha
Dirigir
sem nenhum objetivo ou chegada é um dos melhores prazeres que um ser humano
pode provar. Não há planos, não há fim, só existe o agora e o infinito de
oportunidades. É imortalidade, meu caro amigo.
* * *
Jorge
Xerxes – canhoto e pisciano – escreve sobre o drama e o inusitado da condição
humana. Natural de São João da Boa Vista, SP; publicou: As Cinquenta Primeiras
Criaturas, Editora Multifoco, dois mil e dez; Para Pescar a Lua, Ryoki Inoue
Produções, dois mil e onze; e Trama e Urdidura, Scortecci Editora, dois mil e
doze. Mantém o blog Palavras Órfãs de Poesia: O que Restou, (http://jorgexerxes.wordpress.com/).
Contato com autor (jorgexerxes@gmail.com).
1
Jorge Xerxes, como você e a literatura se conheceram?
Na
esquina do prazer pela leitura com o exercício da criatividade. De supetão.
2
Por que a profissão de escritor lhe interessou?
Apesar
dos três livros já publicados e da participação nessa antologia, escrever para
mim é antes uma necessidade que uma profissão. É um hobby, também uma terapia,
exorcismo dos meus demônios, uma forma de organizar as ideias e aprimorar minha
visão de mundo.
3
Por que participar de uma antologia?
Para
interagir com os colegas escritores e os leitores. Para uma troca saudável no
âmbito das letras.
4
Fale um pouco sobre O Mistério Das Sombras?
Gostei
do que li. Uma seleção de contos relevantes. É interessante analisar como cada
autor desenvolve sua narrativa a partir de um mesmo ponto de partida: Poe.
Escolha o seu preferido!
5
Como você define o processo que envolve a compilação de uma antologia?
Creio
que a maior dificuldade foi a de escrever um bom conto e ser selecionado para a
antologia. Depois tudo foi bastante facilitado pela ajuda do Afobório e da
Multifoco. Vejo com bons olhos as produções coletivas como essa.
6
Como você vê o mercado editorial brasileiro para os novos autores?
Os
novos autores brasileiros têm imensas dificuldades. Hoje em dia é relativamente
simples produzir, editar e lançar um livro. A dificuldade está em conseguir
divulgá-lo e distribuí-lo no mercado. Se você não publicar por uma grande
editora, com contatos bem estabelecidos na grande mídia e nas livrarias, terá
de vender o seu produto por conta própria.
7
Em sua opinião, é possível viver de literatura no Brasil?
Eu
acho pouco provável. Assim como é muito difícil para um cantor, jogador de
futebol ou modelo. O que eu quero dizer com isso é que depende, além de talento
e perseverança em doses cavalares, de muita sorte. Viver de literatura no
Brasil é para muito poucos.
8
De que maneira a internet atua em sua vida de escritor?
A
internet ajuda muito. Mantenho o meu blog Palavras Órfãs de Poesia: O que
Restou desde o final de 2008 e divulgo os meus textos nas redes sociais.
9
Qual a influência de Edgar Allan Poe em sua literatura?
É
um dos meus autores prediletos, dentre tantos outros.
10
Para encerrar: quais seus planos daqui pra frente? Já tem um livro na manga,
projetos, publicações?
Continuo
firme na divulgação e comercialização dos meus três primeiros livros – “As
Cinquenta Primeiras Criaturas”, “Para Pescar a Lua” e “Trama e Urdidura” –
através do blog. Escrever é o meu vício. Pretendo continuar elaborando e
divulgando novos textos, sempre que pintar a inspiração! Desejo a todos vocês
boa diversão com “O Mistério das Sombras”!
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