sábado, 4 de janeiro de 2014

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SÔNIA PILLON - QUEM MATOU O SENADOR? ( Versão completa)

Cena 1 –
Um homem morto de meia idade, cabelos grisalhos, de paletó e gravata na cor cinza, está deitado de bruços no alto da escadaria do Senado. Ele está com o corpo encharcado pelo sereno e envolto em uma poça de sangue. A área está isolada pelos policiais, que fazem anotações, recolhem evidências e registram em fotos a cena do crime.
Por fora da área isolada, repórteres de televisão, rádio e jornal, fotógrafos e cinegrafistas de todo o país e correspondentes estrangeiros fazem a cobertura e especulam o que levou ao assassinato.
 “O senador Demóstenes Robalho foi encontrado morto na manhã de hoje, no alto da escadaria do Senado, com o corpo encharcado e envolto em uma poça de sangue. Nesse momento, policiais buscam pistas para o autor do crime. Por enquanto, se sabe apenas que ele foi morto com um tiro no peito. A Polícia trabalha com as hipóteses de crime passional, político, ou queima de arquivo.
Nos últimos meses, Robalho estava sendo investigado por supostas ligações com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Também existiam rumores de que estaria se separando da mulher, supostamente por ter uma relação extra-conjugal com a secretária do gabinete.”
“Alô, ouvintes da Rádio Planaltina do Norte! Estamos aqui na porta do Senado Federal, onde ainda se encontra o corpo do senador Demóstenes Robalho, encontrado morto por volta das 6h de hoje, com um tiro certeiro no coração. A Polícia investiga as possíveis causas e a autoria do crime. Nos últimos meses ele foi acusado de corrupto e haviam rumores de que o senador estaria mantendo um caso com a secretária do gabinete. Só o que se sabe, por enquanto, é que não foi um assalto, porque a carteira e os documentos de Robalho estavam intactos.”

Cena 2
(O senador aparece em cena sendo arrastado por um homem alto e forte, encapuzado e que usa luvas. Ele joga o morto no chão e retira rapidamente o lençol. O carrasco olha para os lados e pega o celular).
Carrasco - Alô! O serviço tá feito, “doutor”! Esse aí não incomoda mais! Não, não, ninguém ouviu nada, não, “doutor”! Não tinha ninguém por perto... Tudo susse... Certo, certo, já tô vazando daqui!
Cena 3
(Em um bar, na penumbra, o senador conversa sorrateiramente com um homem que usa chapéu “panamá”, camisa de estampa florida, óculos escuros, pulseiras, anelão de ouro, e fuma um charuto. Os dois estão tomando uma cerveja).
Senador - A situação não está nada fácil! O povo está pressionando! Estou lutando para que a votação seja secreta. O senhor sabe que somos parceiros, uma mão lava a outra...
(O homem de chapéu pega uma maleta e entrega ao senador).
Homem do chapéu - Pode abrir e conferir, tá tudo aí... Não me decepcione! Gastei um dinheirão na última campanha e espero que não tenha sido em vão... Você me conhece e sabe que fico nervoso com quem me trai!
Senador -  Não se preocupe, conte comigo sempre! (Sorri, pega e abre a maleta, confere as notas, depois a fecha, a segurando com as duas mãos).
Homem do chapéu - Mas hoje eu vim também fazer um outro pedido... Preciso que dê um emprego para a Valdinete...
Senador -  Infelizmente, essa vaga já é ocupada pela Irene... O senhor sabe, aquela mulher é a minha perdição...
Homem de chapéu - Você tá me dizendo que não vai atender um pedido meu?! Coloca só na folha de pagamento e pronto!
Senador – Vou tentar, mas não sei se posso fazer isso, a imprensa está no meu pé... E o pior é que também andaram falando que a Irene é minha amante! Publicaram uma foto nossa jantando naquele restaurante da lagoa, e a minha mulher ficou furiosa... Neguei tudo, é claro, mas ela parece desconfiada...
Homem de chapéu – A sua mulher é problema seu, não tenho nada a ver com isso! Ok, você é que sabe! O aviso foi dado. Depois não diga que eu não avisei!...
(O homem de chapéu se levanta abruptamente, faz um sinal apontando o dedo para o rosto do senador, vira as costas e vai embora. O senador arregala os olhos e olha em direção ao homem de chapéu).

Cena 4
(Em uma mesa com toalha rendada, uma taça, uma garrafa de vinho, prato e talheres cruzados está o senador, comendo uma sobremesa, quando o celular toca).
Senador – Alô, boa noite! Estou terminando o jantar no restaurante chinês. O que? Pois é, infelizmente não consegui encaixar a sua menina no meu gabinete... Até tentei, mas... Sinto muito!...
Hã? Sim, eu entendo, mas a votação foi aberta, como é que eu poderia votar contra?!... O senhor entende, né?... Mais uma vez me desculpe, não foi dessa vez...
Ah, esse documento está no meu gabinete, posso providenciar amanhã para o senhor... Mas... Ah!... Sei... Bom, nesse caso, eu vou voltar agora mesmo para o meu gabinete, antes da sua viagem... Sim, sim, estou indo lá! Não, não, não vou comentar com ninguém... Até daqui a pouco!


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