Cena 1 –
Um homem
morto de meia idade, cabelos grisalhos, de paletó e gravata na cor cinza, está
deitado de bruços no alto da escadaria do Senado. Ele está com o corpo
encharcado pelo sereno e envolto em uma poça de sangue. A área está isolada
pelos policiais, que fazem anotações, recolhem evidências e registram em fotos
a cena do crime.
Por fora da
área isolada, repórteres de televisão, rádio e jornal, fotógrafos e
cinegrafistas de todo o país e correspondentes estrangeiros fazem a cobertura e
especulam o que levou ao assassinato.
“O senador Demóstenes Robalho foi encontrado
morto na manhã de hoje, no alto da escadaria do Senado, com o corpo encharcado
e envolto em uma poça de sangue. Nesse momento, policiais buscam pistas para o
autor do crime. Por enquanto, se sabe apenas que ele foi morto com um tiro no
peito. A Polícia trabalha com as hipóteses de crime passional, político, ou
queima de arquivo.
Nos últimos meses, Robalho estava
sendo investigado por supostas ligações com o tráfico de drogas e lavagem de
dinheiro. Também existiam rumores de que estaria se separando da mulher,
supostamente por ter uma relação extra-conjugal com a secretária do gabinete.”
“Alô, ouvintes da Rádio Planaltina do
Norte! Estamos aqui na porta do Senado Federal, onde ainda se encontra o corpo
do senador Demóstenes Robalho, encontrado morto por volta das 6h de hoje, com
um tiro certeiro no coração. A Polícia investiga as possíveis causas e a
autoria do crime. Nos últimos meses ele foi acusado de corrupto e haviam
rumores de que o senador estaria mantendo um caso com a secretária do gabinete.
Só o que se sabe, por enquanto, é que não foi um assalto, porque a carteira e
os documentos de Robalho estavam intactos.”
(O senador
aparece em cena sendo arrastado por um homem alto e forte, encapuzado e que usa
luvas. Ele joga o morto no chão e retira rapidamente o lençol. O carrasco olha
para os lados e pega o celular).
Carrasco -
Alô! O serviço tá feito, “doutor”! Esse aí não incomoda mais! Não, não, ninguém
ouviu nada, não, “doutor”! Não tinha ninguém por perto... Tudo susse... Certo,
certo, já tô vazando daqui!
Cena 3
(Em um bar,
na penumbra, o senador conversa sorrateiramente com um homem que usa chapéu
“panamá”, camisa de estampa florida, óculos escuros, pulseiras, anelão de ouro,
e fuma um charuto. Os dois estão tomando uma cerveja).
Senador - A
situação não está nada fácil! O povo está pressionando! Estou lutando para que
a votação seja secreta. O senhor sabe que somos parceiros, uma mão lava a
outra...
(O homem de
chapéu pega uma maleta e entrega ao senador).
Homem do
chapéu - Pode abrir e conferir, tá tudo aí... Não me decepcione! Gastei um
dinheirão na última campanha e espero que não tenha sido em vão... Você me
conhece e sabe que fico nervoso com quem me trai!
Senador
- Não se preocupe, conte comigo sempre!
(Sorri, pega e abre a maleta, confere as notas, depois a fecha, a segurando com
as duas mãos).
Homem do
chapéu - Mas hoje eu vim também fazer um outro pedido... Preciso que dê um
emprego para a Valdinete...
Senador
- Infelizmente, essa vaga já é ocupada
pela Irene... O senhor sabe, aquela mulher é a minha perdição...
Homem de
chapéu - Você tá me dizendo que não vai atender um pedido meu?! Coloca só na
folha de pagamento e pronto!
Senador –
Vou tentar, mas não sei se posso fazer isso, a imprensa está no meu pé... E o
pior é que também andaram falando que a Irene é minha amante! Publicaram uma
foto nossa jantando naquele restaurante da lagoa, e a minha mulher ficou
furiosa... Neguei tudo, é claro, mas ela parece desconfiada...
Homem de
chapéu – A sua mulher é problema seu, não tenho nada a ver com isso! Ok, você é
que sabe! O aviso foi dado. Depois não diga que eu não avisei!...
(O homem de
chapéu se levanta abruptamente, faz um sinal apontando o dedo para o rosto do
senador, vira as costas e vai embora. O senador arregala os olhos e olha em
direção ao homem de chapéu).
Cena 4
(Em uma mesa
com toalha rendada, uma taça, uma garrafa de vinho, prato e talheres cruzados está
o senador, comendo uma sobremesa, quando o celular toca).
Senador –
Alô, boa noite! Estou terminando o jantar no restaurante chinês. O que? Pois é,
infelizmente não consegui encaixar a sua menina no meu gabinete... Até tentei,
mas... Sinto muito!...
Hã? Sim, eu
entendo, mas a votação foi aberta, como é que eu poderia votar contra?!... O
senhor entende, né?... Mais uma vez me desculpe, não foi dessa vez...
Ah, esse
documento está no meu gabinete, posso providenciar amanhã para o senhor...
Mas... Ah!... Sei... Bom, nesse caso, eu vou voltar agora mesmo para o meu
gabinete, antes da sua viagem... Sim, sim, estou indo lá! Não, não, não vou
comentar com ninguém... Até daqui a pouco!
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