Leopoldo Commiti, professor aposentado da Federal de Ouro Preto e poeta de grande talento, está lançando A Mordida do Cordeiro com a Editora Patuá. Transcrevo, abaixo, meu texto de introdução para a intensa beleza e profundidade desses poemas..No prefácio também consta uma análise Dirlenvalder Loyolla.
A
MORDIDA DO CARNEIRO: INTRODUÇÃO
Deixo sumirem as
palavras
pelo ralo imundo da
pia
porque a piedade se
foi.
Restou dela um buraco,
um esgoto sem fundo,
fossa perdida onde as
emoções
tornam-se
biodegradáveis,
em meio a detergentes
caros
e frases cáusticas.
As palavras de Leopoldo Commiti
são duras na perita dissecação da
entropia. Esse cadáver da vida desenrola-se em suas substâncias biodegradáveis,
de desagradáveis cores e odores, agarrado nas sombras que se contorcem entre espelhos e
escadas, munido de seu cotidiano rígido, esvaído de poesia e piedade. Leopoldo
é frio na observação da degradação mesmo
quando se surpreende de sua existência, já que
essa degradação lhe parece súbita, pois ocorrida na vigência do fogo interior, traiçoeira
praga enredada ao rio caudaloso do prazer.
“Sem incenso, sem sorte
/rendemo-nos à onipotência /da carne e dos rituais mundanos” , pois, se
abdicamos da beleza e da magia, o que nos resta é a aspereza de um cotidiano
repulsivo. O autor não teme em se identificar com insetos – mais
apropriadamente baratas - , acuados que são pela violência dos elementos,
nojentos execrados pelos “limpos” habitantes das superfícies do ser. Leopoldo
Commiti não desenha no espelho uma imagem agradável de si, deixa a deterioração
da carne e da alma assumir seu contorno, sua sina. Veste-a como nova pele e,
lúcido, mantém a alma no fogo da sua luz, ciente de que o impropério da
decadência é sustentado pelos desencontros e incompetências do mundo físico.
Existem as criaturas que o dia
não quis, as mariposas , os bêbados, os insones... para esses a luz não vai
retornar, mesmo quando o sol voltar E no seu inventário das noites, dessas
noites de cidades antigas, respingadas de vultos e de casario lúgubre, Leopoldo
evoca a morte, indiferente ao fato de ser essa uma morte física ou da morte
aparente da cidade velha e seus seres da noite, tentando viver quando a vida já
se desfez deles, rondando em torno de lamparinas, sugando elementos condenados : “Inconsciente, o povo /percorre as ladeiras /sedentos de uma vida /que jamais tiveram. /Apenas giram, giram /em seu giro eterno, /em torno da última /lâmpada existente /.na cidade
morta”.
“Quisera ter apenas /prólogo e trama, /e que o epílogo/ se resumisse
num ponto, “ nesses versos o autor faz uma síntese de seus sentimentos,
caso ainda não o tenhamos compreendido bem. Resume uma sensação que é universal
quando começamos a envelhecer, quando nos deparamos com situações dolorosas
e/ou de difícil decisão. A de que a vida não tem um ritmo adequado, conveniente
à nossa felicidade, adequado ás nossas alegrias. Porque o seu fim se finaliza
em um ritual lento e desconexo, impiedoso, amarrado ao caos dos elementos. A organização tem uma lógica e tem no ser o seu refém quando começa a se
desfazer, obrigando-o por um tempo, que se desenrola para além do insuportável,
a sentir sua própria decadência,
moldando a alma em dor e aflição.
Mas a noite, essa amante da
morte, faz sua visita e se vai. Leopoldo espia o sol, ainda que se sinta um
pouco confuso, amarrado as lições e vivências da decomposição. Afinal o espelho
lhe prometera tragédia e carnificinas e o que lhe devolve – depois de refletir
com tanta mansidão a morte – é o gelo , o frio de uma moldura, a vida morna de
paixões baratas que só imitam um ardor de juventude, de explosão. O autor nos
surpreende com essa requintada percepção
da corrupção interna e externa que a má distribuição do tempo faz.
Vivemos, sim, essa vida indolor e contínua, sabedora das formas e fases das relações
e dos elementos, já que nem vivos, nem mortos, arrastamos nossas asas queimadas
pelas lamparinas de pouca luz:
Anos antes ficara
pronto. Pronto, prematuro e velho,
segregado de olhares,
renegado. Agora se surpreende
presente na cena de um fútil e lento crime silencioso
A tragédia da tragédia é
que a vida se esquece da elegância e “Abraçado a si mesmo, como sangue coagulado, /o
dia dorme. Sem qualquer despertar sutil /ou arranco de dor da inexorável vinda
das horas, /de mais horas, novas ou antigas; enfadado. “ Sim, a noite pode se despedir, mas, o dia
por sua vez, dorme. E não aquece. Então Leopoldo vive entre o dia e a noite, a
noite e o dia, procurando uma cisão e, poeta excepcional que é, descobre o fogo
lento da maturidade:” Talhei a casa /como
quem confecciona /um terno, /nos detalhes doloridos /de cada ponto. /Em pontas
de agulha, /decepando o tecido /excessivo que a escondia, /com tesouradas
cruas, /talhei-a. /Vesti-a. /E a exponho em gala /no jantar da maturidade. “
E o rio renasce, irrompe e “Finalmente se abre a janela e dela sai um
espectro claro. “. Os últimos poemas negam e reafirmam esse novo patamar,
afinal, a mordida do carneiro é mais branda do que a do lobo, pois, esse,
conhecemos, nos instruímos, preparamo-nos para a sua eterna caça, seu voraz
desejo a nos cortejar. Para a mordida do
carneiro não fomos preparados, acreditávamos que se vestíssemos sua pele macia
nosso coração voaria, não esperávamos a vestimenta espessa de pelos endurecidos
a nos enrijecer, transmutando o dia em
noite vermelha, depois gélida e amarga, prolongando seu epílogo para além da
razão humana:
Anjos! Eis os Demônios,
no avesso dos tempos
anônimos
e na pele que sempre
muda.
Jandira Zanchi é
poeta, autora, entre outros, de A Janela dos Ventos (Emooby -
2012) e Gume de Gueixa (Patuá – 2013)
Livro: A mordida do cordeiro
Autor: Leopoldo Comitti
Gênero: Poesia
Número de Páginas: 120
Formato: 14x21
Preço: R$ 30,00 + frete (Livro em pré-venda. Entrega após o lançamento, em março.)
Gênero: Poesia
Número de Páginas: 120
Formato: 14x21
Preço: R$ 30,00 + frete (Livro em pré-venda. Entrega após o lançamento, em março.)
www.editorapatua.com.br
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