quinta-feira, 3 de abril de 2014

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A ESCALADA DA MONTANHA - SÔNIA PILLON

Os raios solares ainda não tinham despontado no horizonte, apesar da noite já ter se despedido, dando lugar à luz do dia. Enquanto subia vagarosa e tenazmente pela trilha que o conduziria até o topo da montanha, o monge ancião, de longos cabelos  grisalhos e de barba comprida, se apoiava no cajado para aliviar o cansaço. A roupa vermelha de algodão rústico e as sandálias de couro ajudavam a manter o corpo mais arejado. Se bem que a temperatura era amena. A primavera garantia dias de sol e chuva intercalados e equilibrados.

- Ainda bem que não é inverno, senão eu não conseguiria chegar até lá vivo... Ah, minhas pernas cansadas! Que saudade dos meus 20 anos! Hoje o meu corpo parece um calhambeque velho que não sai da oficina...

Resmungar em voz alta o fazia sentir menos solitário enquanto caminhava pela estrada arenosa. Lá em frente, a poucos metros, já podia ver o solo começava a se elevar. Respirou fundo, fez um alongamento e ajeitou as costas para encarar o morro.
Mais de oito décadas haviam-se passado quando chegou ao mosteiro, levado por seus pais. Era apenas uma criança, mas lembra quando eles comentaram ser uma grande honra para a família ter um filho escolhido para a vida monástica.

O então menino filho de agricultores não entendia por que sua mãe chorava tanto enquanto o abraçava, muito menos por que seu pai o abraçou e evitou seu olhar. Só depois entendeu que muito tempo se passaria até que os pudesse reencontrar, já com as vestes monásticas...

Enquanto caminhava e o sol timidamente passava a lançar seus raios, ele se recordava das missões nas aldeias, quando levava palavras de conforto e ânimo para os desprovidos da sorte. Lembra como se fosse hoje, os aldeões sorvendo uma a uma das palavras do jovem monge, como se fossem um bálsamo. Levava esperança em pequenas doses, como se fossem frascos homeopáticos.

Leigos e discípulos, iniciantes e veteranos, e até visitantes céticos se reuniam para o encontrar e também aos outros monges. Mesmo os mais descrentes não deixavam de admirar as mensagens pacifistas, especialmente em períodos de guerra com os países vizinhos.
E como não se encantar sobre as seis perfeições? A caridade, a conduta ética, paciência, energia, estabilidade meditativa e sabedoria transcedental, as virtudes que levam à iluminação...

O monge se agarra nas pedras e nos arbustos para subir, lentamente. Pouco depois uma comitiva o aguardava com uma carroça.
Faltava pouco, muito pouco... E então ele elevou os pensamentos até Sidharta Gautama, o primeiro Buda, que a partir da Índia se espalhou pelo Oriente e Ocidente. Finalmente alcançou o ponto onde era aguardado. Alívio total. Sem mesmo notar, o ancião sorriu.

- João! Joãooo! Ainda dormindo, homem? Esqueceu que hoje tem a aula de yoga no parque?

- Xiii, acho que perdi a hora... Resolvi ler o livro “O Buda nos Jardins de Jetavana” e me imaginei na pele de um monge ancião, caminhando em direção ao mosteiro, lá no alto, imagine!...

- Então está explicado! Ha Ha Ha!, disse a mulher Dóris.


João se vestiu rapidamente, pegou o relógio de pulso, calçou os sapatos e foi “voando” para a escola. Era o dia de ensinar sobre a cultura oriental.

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