Creio que o estopim para o meu devaneio foi a
elevação da taxa de oxigênio (ao menos para os meus padrões) naquelas noites do
outono de 1914. A máquina do sono, assim a denominei. Um caso de amor a
primeira vista, não podia mais repousar sem ela, qual boneca inflável para
abraçá-la de bruços e, depois do sexo, adormecermos juntos em conchinha. E
quando tomei o táxi, em Niterói, o senhorzinho negro e delgado, aparentando
seus oitenta e tantos anos, me disse que o ser humano estava melhorando, a
cidade “cada dia tão mais bonita” que não se importava de trabalhar mesmo
depois de aposentado do emprego público, ao contrário, era um prazer conversar
com os fregueses enquanto dirigia através de veredas naqueles tempos ídos. Invejei-o
pelo seu anel prateado de São Jorge. Invejei-o a ponto de tomar a barca, seguir
para o outro lado da baia, vagar a esmo e casmurro pelo centro do Rio de
Janeiro na busca doutro amuleto daquele, porque eu acreditava emanar dele o
elixir para a felicidade. O elixir para a felicidade é o que eu buscava naquele
outono de 1914. E o leão do imposto de renda já não me botava medo. Sentia-me
senhor de meu próprio terreno. Nem a morte daquele chão me subtrairia, senão
para sete palmos debaixo dele (macio e aquecido ventre). Então, não obstante ao
imóvel, declarei o jardim, o orvalho e ainda, por via das dúvidas, a nuvem da
qual ele se desprendia, se a manhã era fria. Tão somente por via de todas as
dúvidas, mas de todas as dúvidas do mundo, foi que eu declarei as flores. E as
flores eu as declarei em alto e bom som. É de se imaginar que eu havia
aposentado de velho todos os medicamentos para os meus miolos quando me lancei
à singular empreitada de vigorosas caminhadas noturnas. Devo confessar que
passado tanto tempo, e apesar de tudo, de nada disso me arrependo. Mesmo tendo
atrasado meu relógio exatamente cem anos, o século mais intenso eu vivi naquele
singular outono de 1914.
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