segunda-feira, 21 de julho de 2014

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Pequenas histórias 106






O garçom trouxera









O garçom trouxera a cerveja. Quanta vez repetiu mentalmente: O garçom trouxera a cerveja. Várias vezes: O garçom trouxera a cerveja. E um vento fino, sem ser sufocante varria excitando a carne enregelada.
Sentia-se na obrigação, neste momento, tomar a cerveja que o garçom gentilmente trouxera. Não foi intenção de sua parte. Quando o garçom se aproximou perguntando:
- Pois não, o que senhor deseja.
Sem pensar respondeu:
- Uma cerveja, por favor.
Pronto, caiu na cilada do garçom, mas não tinha culpa, pois fora um gesto mecânico, sem muita convicção:
- Uma cerveja, por favor.
Poderia ter dito outra coisa, por exemplo:
- O que vocês têm?
Ou:
- Por favor, deixe ver o cardápio.
Não disse nada disso, simplesmente dissera:
- Uma cerveja, por favor.
Agora tinha a obrigação de tomar a cerveja. Ele por outro lado, pode, num gesto extremo, levantar, sair e pronto. No entanto não era tão simples assim. Primeiro, teria que pagar por uma coisa que não usufrui no caso a cerveja; segundo, precisava tomar a cerveja, não iria pagar sem tomar a cerveja. Que merda!
O garçom trouxera a cerveja, isso estava bem claro em sua mente, cerveja que estava diante dele à espera de ser saboreada. Tomaria a cerveja, claro que tomaria, não era louco em deixar a garrafa cheia, pagar e ir embora. O que ele queria e, não poderia é se deixar aventurar pela noite que começava a esquentar. Antes, porém, tinha que tomar a cerveja que o garçom trouxera. A brisa fria da noite corria junto ao seu pensamento, como um fio de sorvete a escorrer pelo canto da boca.
Observava, enquanto saboreava a cerveja que o garçom trouxera o movimento, meio fraco por causa da hora, não era nem dezoito horas, deslizavam em passos pequenos na calçada meio irregular. O que nada justificaria a cilada que o garçom, sem ele saber, preparara para aprisioná-lo. Preso não sabia o que fazer.
O garçom trouxera a cerveja que o prendia no canto do bar, isolado de todos, não podia usufruir a noite que começava a fervilhar de emoção.

pastorelli

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