domingo, 3 de agosto de 2014

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Pequenas histórias 108







Quando sentou

 


Quando sentou para almoçar, reparou nas pessoas falando alegremente na mesa ao lado. Estava também, aquele senhor encostado à parede tomando calmamente a sua cerveja.
- Boa tarde, vai o de sempre? – perguntou o garçom.
- O de sempre faz favor. – não seria mais pego em cilada nenhuma pelo garçom, nem daqui e nem de outro lugar, seja restaurante, boteco ou lanchonete.
O dia estava gostoso, apesar do vento que soprava. Um vento que levantava a saia da alemã. Já tinha visto aquele pessoal em outros dias. Vinham sempre em bandos, isto é, aos poucos até formarem quase dez pessoas em volta da mesa. Falavam, gesticulavam, procuravam por meios de palavras arrastadas fazer-se compreender. Quando o garçom os entendia, satisfeito sorriam, agradeciam. Dava a impressão que para eles não havia tempo ruim. Enfrentavam tudo numa boa. Minha mãe dizia que o povo alemão é um povo alegre e, como descendente de alemão, mesmo com os percalços da vida, ela era alegre, sempre rindo, contando piada...
O que fazia uma pessoa sair do seu país para viver em outro completamente diferente, em costumes, gosto, cultura e, o mais difícil, língua, perguntei a mim mesmo. Alemão tem uma língua arrastada, parecem que raspam a língua no céu da boca e nos dentes. Uma língua que sofria de paradas bruscas, paradas feitas de sustos. Pareciam seres de outro planeta. Metaforicamente eram, por que não!
Hoje, sábado até que estavam em grupo menor de pessoas. Três mulheres e dois homens. Uma das mulheres, a que estava de frente para mim, cabelos pretos, os óculos no alto da cabeça, fumava, era a que mais falava. Tinha uma feição bonita, nariz delicado, o lábio pequeno, um queixo redondo, inspirava confiança. Presenciei a peripécia que fizeram para pedir o almoço. Foi uma pantomima, eles falando, gesticulando e o garçom dizendo isto ou aquilo, também gesticulando, até que se entenderam. E agora estavam no aguardo da comida enquanto saboreavam seus aperitivos e cervejas.
A espera do meu fígado acebolado com arroz tomava a caipirinha caprichada, bem feita. Aliás, ali era o único lugar da redondeza que tem uma caipirinha gostosa. Nisso, sem menos esperar, chega uma criança, um menino, moreno, de seus oito ou nove anos. O garçom rápido pede para o menino se retirar, mas os alemães não deixam. O garçom se retira, já que querem encrenca que fique com encrenca, acho que foi isso que ele pensou. O pequeno pedia algo, a alemã falava com ele, até que ela indicou o rapaz que estava a sua frente. O rapaz levantou-se, chamou o menino, pegou-o pela mão e entraram na loja Americana. Não demoraram nem cinco minutos, e eis o menino todo alegre, com um ovo de páscoa na mão. Sorridente agradeceu e foi embora.
Tudo volta aos eixos, pensei, agradecendo o garçom por trazer meu fígado acebolado. Nisso, aparece novamente o menino e um bando de crianças atrás deles, todos morenos, entre meninas e meninos, dos três até mais ou menos, dez ou doze anos. Rodearam a mesa dos alemães. Os germânicos arregalaram os olhos, mas não perderam a calma. O menino foi chegando e falando para os seus companheiros: - Foi ele que me deu o ovo, indicando o alemão que fora com ele a loja. A menina, a que parecia ter doze anos, pedia: - Por favor, compre um para ela, apontando a menor de todas. As crianças se esparramaram envolvendo das alemãs. Estas falavam, isto é, tentavam se fazer compreender em português arrastado, até que, não sei se as crianças entenderam ou não, sei que foram embora. Os alemães continuaram a conversa como se nada lhe tivessem acontecido.
Terminei meu almoço, findei com o último gole da caipirinha, paguei a conta, levantei-me e fui embora, pensando: - E se fosse ao contrário? Se fossem brasileiros que estivessem na Alemanha e surgissem meninos pedindo, como presenciei nesse momento. O que aconteceria? Não quis responder, ou melhor, nem pensou numa resposta. Entrou na Casa das Rosas sem se preocupar com o fato, pensou: não valia a pena ficar matutando com coisas impossíveis...

 

pastorellli

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