sábado, 6 de setembro de 2014

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DE MARCA MAIOR



O que será que faz o M do Mc Donald's, a curvinha da Nike, o jacarezinho da Lacoste serem o M do Mc Donald's, a curvinha da Nike e o jacarezinho da Lacoste? Na busca de uma resposta, homens de marketing divergirão de sociólogos. Que não necessariamente terão as mesmas convicções dos filósofos, cujos argumentos jamais convencerão os religiosos, que inspirados em seus dogmas travarão discussões acaloradas com os cientistas políticos. A celeuma se aprofundaria, ganharia a mídia e se transformaria num grande fórum de debates, certamente com o patrocínio da Coca-Cola, da Vivo ou da Volkswagen.

O fato é que as marcas estão aí, colossais e reluzentes, explícita ou subliminarmente a fincar suas bandeiras nas frágeis massas cinzentas.
Tenho um amigo, publicitário, que arranca todas as etiquetas visíveis de suas roupas. Entende ele que essa é uma forma de propaganda e, até onde sabe, jamais será remunerado pela veiculação. Então, tesoura nelas. Nem bem saem das lojas e as roupinhas de grife viram genérico. "Ainda se a roupa saísse de graça, vá lá, tudo bem. Até toparia a permuta" – diz ele. "Eles me dariam as calças, camisas e sapatos e eu sairia pra rua desfilando as marcas deles".

Tá certo que esse meu amigo é um tanto radical. Mas tão xiita quanto ele é aquele cara no extremo oposto, que compra a etiqueta e só depois é que repara no produto em volta dela. "Grifado" da cabeça aos piercings, o talzinho é um verdadeiro anúncio ambulante. Veste o que veste não pelo valor que atribui à indumentária, mas pelo status que supostamente darão a ele por se exibir com aquilo tudo.

O poder da marca é um caso muito sério. E vale tudo para garantir que ela abocanhe mais mercado. Até mesmo recorrer a obras-primas em domínio público, que à revelia de seus autores acabam virando sinônimo de marca. O que será que Beethoven pensaria se soubesse que aquela curta e genial sequência de notas, que alicerça sua Quinta Sinfonia, se transformaria no "pão pão pão pão" da Wickbold? Ou da sua "Pour Elise", comendo solta nas esperas telefônicas e nos caminhões de entrega de gás? Quando é que iria passar pela cabeça do autor de "O Sole Mio" que sua canção imortal viraria comercial de Cornetto? E por aí vai. "As Quatro Estrações", de Vivaldi, vendendo sabonete. O célebre "Aleluia" de Haendel, que já apregoou até remédio para prisão de ventre. A solene "Pompa e Circunstância", de Edward Elgar, por décadas reduzida à musiquinha do "Boa Noite Cinderela", antigo quadro do Programa Silvio Santos. A lista é interminável. Se bobear, "Águas de Março" daqui a pouco vira jingle de guarda-chuva, pra desespero do meu amigo xiita. Que, aliás, anda sumido. Deve estar desempregado.

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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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