sexta-feira, 21 de novembro de 2014

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De como eu aprendi a lavar minhas mãos


In chaos theory, the butterfly effect is the sensitive dependence on initial conditions in which a small change in one state of a deterministic nonlinear system can result in large differences in a later state. The name of the effect, coined by Edward Lorenz, is derived from the metaphorical example of the details of a hurricane (exact time of formation, exact path taken) being influenced by minor perturbations such as the flapping of the wings of a distant butterfly several weeks earlier.


The butterfly effect in the Lorenz attractor

O meu nome é Reinaldo. Eu sempre prezei pelo bom gosto e a sofisticação, mas isso sem exageros, tudo dentro de minhas possibilidades, sem que isso resvalasse nalguma obsessão, fetiche ou ostentação. Trabalhar de segunda a sexta numa fábrica é rotina pesada; quem faz, sabe. E dentre as pequenas recompensas às quais eu me permito, está o prazer de degustar um bom café.

Eu não sou nenhum expert no assunto, não sou barista, mas basta ter um pouco de tutano dentro dos miolos, alguma massa cinzenta na cachola, e ler algumas poucas revistas especializadas para saber que o melhor café do mundo é o Kopi Luwak.

Esse nome, Kopi Luwak, na língua indonésia, designa o Café Civeta. As civetas, essas criaturas admiráveis, são pequenos mamíferos, leves, arborícolas e da mesma família do gato-almiscarado.

Especialmente na Indonésia e nas Filipinas esse animal gracioso – a civeta – tem também por hábito se alimentar dos pequenos frutos que ele mesmo extrai, diretamente, dos pés de café. Os frutos são processados no estômago do animal. A fabulosa enzima da civeta não é capaz de digerir o grão do café; ela tem, porém, a propriedade de lhe prover uma espécie de tratamento superficial – que é o responsável pelo sabor menos ácido e amargo do Kopi Luwak com relação ao café comum, imprimindo-lhe o toque característico de alquímica composição do chocolate com o suco de uva.

É evidente que o produto final desse processamento dos grãos pela civeta resulta numa espécie de chokito molengado (não podia ser diferente). Mas a natureza é sábia, existem homens de gênio e imaginação, verdadeiros visionários: um desses indonésios de estirpe descobriu que bastava passar com os chokitos na peneira através de um jato d’água para que restassem tão somente os grãos do café, prontos para serem torrados, moídos e vendidos pela bagatela de 2500 reais (ou vinte e cinco de nossas preciosas garoupas).

Eu me orgulho de já ter provado o legítimo Kopi Luwak numa viagem que fiz a Londres. Custou-me quatro de minhas garoupas a xícara. Mas, modéstia a parte, eu sou um cara bastante sagaz, de modo que o meu maior orgulho é outro. Afinal, viver como assalariado da indústria brasileira, ter bom gosto e sofisticação é para poucos e bons. E haja jogo de cintura!

Eu não sou nenhum expert no assunto, mas tenho a criatividade e o raciocínio a meu favor. Quem me ouve falando assim pode, a princípio, imaginar “esse Reinaldo é um arrogante, ele se acha”! Quando, em verdade, não é nada disso. Modéstia a parte, sou apenas ciente daquilo que sou capaz. E provo. Eu não preciso matutar ou estudar muito para saber que o melhor vinho brasileiro é aquele que vem do sul. E isso – a despeito de toda a sapiência, o formalismo e a elucubração dos enólogos – tem uma explicação muito, mas muito simples: as vinícolas do sul são basicamente familiares; com famílias de origem alemã, italiana, polonesa, ucraniana; que geram belas filhas louras, de lindos olhos azuis; os filhos homens ajudam os pais na lavoura, nas suas videiras; as matriarcas são propriamente as responsáveis por cuidar da fermentação do suco; mas são as jovens louras, em tenra idade, no esplendor de seus onze aos treze anos, aquelas a amassarem com os seus pezinhos as bagas de uva; e elas são virgens. Voilà! E isso eu chamo de raciocínio lógico indutivo.

Mas parece que eu já ia perdendo o foco... Eu estava abordando o meu maior orgulho, a minha invenção, sobre a qual eu não posso entrar em profundos detalhes por ser objeto de um pedido de patente: o Café Reinaldo. Posso dizer apenas que foi desenvolvido por similaridade ao Kopi Luwak, alcançando a mesma excelência em termos de aroma e sabor; com a grande vantagem de que o Café Reinaldo é muito mais barato. Como eu consigo isso? Segredo! Aguarde e a história do barismo dirá de si mesma. Cada coisa ao seu tempo.

Além disso, posso narrar apenas de um pequeno contratempo que tive durante o aperfeiçoamento do Café Reinaldo. Trata-se de um sutil acento de uréia que insistia em se imiscuir às notas achocolatadas e frutadas do Kopi Luwak. Depois de alguns meses de reflexão a este respeito eu me apercebi que, devido às pressões da demanda de trabalho, quando eu ia até o banheiro da fábrica para uma rápida mijada, e a pia estava ocupada, eu saia batido. E foi daí que eu aprendi da real importância de lavar as minhas mãos.

É como eu sempre digo: criatividade, raciocínio, paciência. Sobretudo, muita paciência. Cada coisa ao seu tempo.





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