Em janeiro de 2013,
recebi um documento gravado no word
que trazia um romance para que eu pudesse ler e fazer uma avaliação que gerasse sugestões, algo corriqueiro quando se é um leitor e há dentro do seu ciclo
de amizades um escritor. Recordo que levei três dias para concluir a leitura,
na última noite, onde encontrei o desfecho daquela obra, tive uma madrugada de sonhos
intranquilos, uma sensação de inadequação havia se instalado em mim, sensação
da qual só consegui me livrar quando escrevi a novela Os laços da fita, a qual já mais existiria sem a leitura de A Delicadeza
dos hipopótamos, de Daniel
Lopes.
Imagine se Ulisses
estivesse exilado por vontade própria e a sua Penélope estivesse dividida em
duas, uma metade homem, outra mulher, mas em um determinado dia, o rei seguindo
o seu desejo, retornasse para sua terra, sabendo ele que a rainha estivera por
um tempo noutro reino longe dali, nos braços de outro monarca, entediada de
tristeza regressara para sua Ítaca com olhos vazios, descrente na vida como
fonte de prazer. A força do único homem capaz de envergar o arco sucumbiria
diante da trajetória da flecha, pois lhe seria revelado que esta sempre esteve
fincada em seu peito.
Troquemos Ulisses
por Léo, Penélope por Bia e Pedro, Ìtaca por Tamar, a fúria de um deus pelo
desconforto existencial e encontraremos o romance o segundo romance do escritor
Daniel Lopes.
O regresso do
protagonista para sua terra natal, um vilarejo místico-mítico, o faz encontrar
no mundo concreto, o que as sensações e sentimentos já tinham lhe sussurrado ao
longo de seu período de desterro: Desajuste é sinônimo de existência. O que
propicia ao leitor o encontro com grandes momentos ensaísticos (eu deveria
fazer uma citação aqui, no velho esquema acadêmico: dizer e mostrar, mas confio
que você não precisará da minha ajuda).
Talvez seja por
meio do olhar que lançamos aos nossos contemporâneos que melhor conseguimos
enxergar os efeitos que o tempo causou em nós mesmos: Gordo o garoto magro,
agora era homem, estava no bar de Mariano, Mauro o bruto escultor, ele mesmo
metáfora de sua arte ao retirar da aspereza da pedra a beleza. Uma venda que
resumia a aura do lugar que para além da paisagem, decorava cada um de seus
moradores em seus interiores.
Em cada passo Léo
personagem-narrador alterna o que vê no agora, essa coisa que chamamos de
presente com o passado, uma bela costura do autor na concepção da obra.
Narrar e filosofar
é algo raro, ou melhor, feito de maneira que não deixa nenhuma das partes em
desequilíbrio, soando natural na boca das personagens. Daniel contraria Caetano,
se você tiver uma boa ideia e talento escreva uma narrativa longa!
Uma característica
do autor encontrada em suas outras obras que permanece nesta é o espanto da
delicadeza em meio à brutalidade, Bia capaz de tocar belas melodias em seu
piano, tece uma colcha com uma mensagem-portal do além-bem, Pedro sonhador,
optou por um sono prolongado, talvez, em companhia de Tomásia, Totônio
Rodrigues e muitos outros.
Depois de dois anos,
ao ler a obra agora aprisionada no formato livro, revisada por seu autor, não
ocorreu alteração em sua capacidade de dialogar com a profundeza humana, o que
nos mostra que literatura, independente do suporte, da indústria que tenta
transformá-la em produto, dos que se enganam ao se intitularem escritores, é
feita por palavras que superam as impressões superficiais vindas do sentimento
e só se tornam arte quando alguém que carrega o gosto de sangue na boca as
cospe no mundo como um bofetão que impede o moribundo de perder a consciência.
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