Gosto de observar
os detalhes. Os gestos singelos e os seus desdobramentos, a teia sutil que liga
os acontecimentos (ou serão coincidências? Apenas algumas parcas minhocas se
contorcendo aleatóriamente na minha telha quente?).
Desde a semana
passada, navegando pelo FB, como de costume, venho observando os ânimos
exaltados, as pessoas em pé de guerra, umas contra as outras, todos irritadiços
com os problemas desses nossos tempos (difíceis). E eu tenho tentado me
preservar, não me meter em discussões que estão além da minha alçada, sentindo meu
próprio fardo já pesado o suficiente.
Eis que eu me pego,
então, observando a figura da linda personagem de um conto de fadas que minha amiga
Isadora Trombeta Fagá – funcionária da EESC/USP e doida por literatura, pelos
filmes, pela arte – postou e, sem me atentar para o que estava escrito junto à
figura, com o dedo no mouse, como que num impulso, cliquei em “curtir”.
As horas se passaram,
eu já nem me lembrava disso, quando recebo da Isadora uma mensagem inbox:
“Oi Xerxes, como
vai?”
“Aí vai o desafio,
se quiser participar:”
“O desafio se
baseia em você colocar a foto de um personagem que vou te designar e escrever
isso: Tenho a intenção de encher o Facebook de desenhos animados para interromper
a saturação de imagens e vídeos negativos. Se eu receber um ‘curtir’ vou
escolher um personagem para você.”
“Escolhi o valente
Hulk pra você postar!”
E eu, que tenho
andado um bocado pra baixo, um fujão, covarde, cá pelos meus próprios motivos, fiquei
até entusiasmado, animado com o “valente Hulk”; e pensei com os meus botões, até
que a ideia é boa! E segui adiante.
Daí foi a vez do
meu amigo Andre Albuquerque – médico e contista de responsa – cair na armadilha.
Então eu enviei a tal mensagem inbox para ele:
“blah, blah, blah,
blah....”
“Escolhi o veloz
Papa Léguas pra você postar!!”
E tive como
resposta:
“Kkkkkkkkkkkkkkkkk”
Imagino o André
pensando, esse cara é doido de pedra, uma corrente de desenhos animados, que
porra é essa?!
Uns dois dias se
passaram. Só então eu percebi que estava completamente equivocado: vi o Papa Léguas
do André passando veloz como um raio. E, na sequência, o seguinte post no meu
mural:
“Jorge Xerxes,
dando continuidade No âmbito de uma CORRENTE POÉTICA a que me ligaram, deixo
aqui um poema seu e passo-lhe a missão de continuá-la:”
“- durante 4 dias
divulgue um poema (por dia) e desafie um poeta (por dia) a dar continuidade a
este sarau virtual.”
Daí foi a minha vez
de ficar de queixo caído! Como assim escolher quatro poemas dentre tantos e tão
bons poemas? Como assim indicar quatro poetas dentre centenas deles?
A verdade é que eu
fiquei emputecido com o André. Pensei: agora o cara pegou pesado comigo! Fazer o
fujão, o covardão aqui, se posicionar, escolhendo os seus quatro poemas
prediletos?! Poxa, isso é sacanagem demais. Mas ele vai ver... não vou deixar
barato... e decidi que eu iria levar o desafio às últimas consequências.
O resultado vocês leem
abaixo. Revendo as minhas escolhas, eu percebo como se tratam de poetas de
carne e osso, com fraquezas, temores, vícios e virtudes; enfim, seres humanos. Você
poderia topar com um deles por aí, no corredor, na fila do banco, sentado num
banco da praça e sequer se dar conta disso.
Mas acredite: Eles
existem.
Só o Amor a Vida
Nos Une!!
<<< Rastros da noite >>>
Betusko
Caminhar sobre
vozes pegajosas
tropeçar em horas
lentas
esmorecer na sombra
da preguiça
até soltar um
sonífero bocejo
ante a crua espera
da luz da lua
e aplacar o longo
desejo
de ver trincar o
céu
em milhões de
estrelas
exuberantes,
singelas
que descem em
delírio
como regidas pelo
vento
e lavam as cabeças,
escorrem alma
adentro,
levam os pecados
e depois, tanquilas
evaporam-se
sorrindo
em rastros
helicoidais
madrugada adentro
abandonando o sereno
em suas gotas
humildes
na triste tarefa de
abafar
o sonho e a
fantasia
no coração dos
boêmios.
<<< De joelhos >>> Theresa Russo
De joelhos.
No chão!
Tu mereces ser
muito bem fodida.
Empurro-te as ancas
a responder-me como égua de quatro no quarto em penumbra.
Nesse fim de tarde,
as rochas estão se rachando em fendas duras.
A tua, como carne
aguada, quente fissura de fêmea no cio geme por meu entrave.
Não tenho sequer dó
de tua carne.
A bela bunda
emoldura de raios de sol me convida a dançar o amor.
Teus cabelos
negros, lisos e inertes me imploram para viver.
Puxo-te a crina com
a mão esquerda e te penetro com meiguice impaciente.
Teu riso de sol me
transporta e agora sou teu macho alado a planar em teu universo azul.
Vem juntar-se a mim
nessa viagem infinda a buscar todo o prazer que contém os céus prometidos.
Grita, chora, geme,
reclama, proclama que teu gozo é teu,
mas é meu teu gozo
com gosto de amor nosso.
Vira-te.
Quero entrar nos
teus olhos e te espreitar por dentro.
Não me contenta o
gozo limitado de mim mesmo em tuas fendas de carne.
Quero também comer
tua alma de mulher, de menina, de puta, de santa.
Escuta a ti.
Ouve teu gemido.
Há um coro de anjos
no retorno de nós.
Quanto mais entro
em ti, mais sou teu.
Quanto mais me
devora a carne fluida da imaginação, mais sou teu e tua.
Não me contenta teu
sofrimento de crina estendida a esticar o couro cabeludo e a mente ardendo da
paixão.
Reteso a palma das
minhas mãos com marcas de mim mesma.
Espanco-te as
nádegas para te castigar por teres roubado minha vontade de nada ser.
Sei que teu gozo
vem galopando de encontro ao meu.
Seguro algo em mim
a te esperar meu doce amor.
Não estás como a
menina dessa manhã de hoje a transparecer o medo de viver.
Estás como Deusa,
como Maria Quitéria, como Bárbara de Alencar,
como Afrodite
em teu reino a
reinar.
És tão linda que
dói dentro de mim essa beleza de ti.
Estás tão deliciosa
que passaria anos num deserto a jejuar para esperar a tua carne e devorar.
Teu corpo padece
com as estocadas e a força da minha surra.
Goza meu amor.
Goza tudo.
Meu presente de
amor para ti nessa tarde de nós dois...
<<< Tarja Sulphorósa >>>
Ricola de Paula
Quilômetros de
sedimentos estão depositados
nos tubos de ensaio
das redes sociais.
Sei que emburreço
nesse carnaval de ofertas,
Esgotado saio antes
do recuo da bateria.
Surra neles!
Chicote de cainana
barba e cabelo,
outra cilada
com pouca grana.
Sicário não deixo
rastros na cripta
do seu desleixo.
São tiras de papel
de embrulho.
Papiro, intrigo
Torpes pombos
sacio.
Um bom exorcismo
abrirá
Novos caminhos,
Água benta
sanitária
dissolvendo as
ladainhas.
Esquálido pensa palavras
estranhas
Abafa o diálogo
interno que estimula
O irromper, o
desistir.
esquálido pensa
palavras estranhas
Eucaliptos glóbulos
angu de mescalitos
Sambaquis e linfa
pasteurizada.
Segura na mão uma
granada
Sentinelaaaaaaaaaaaaaaaaa.
A explosão dos
significados.
O refil da bagaça
neném
A cuca já vem
pegar.
<<< IMACULADA >>> Elza Fraga
Todos os orifícios
tomados
maculados
conformados
com a sorte
sabendo que o gozo
é rápido
como a morte
<<< DÁ NISSO >> Elza Fraga
Correr atrás de
você
a cada novo sumiço
até perder todo o
viço
afinalar meus
cambitos
nos becos mais
movediços
forçando um
compromisso
enquanto escorrego
omisso.
Rezar na sua
cartilha
ceder a sua ousadia
perder a cabeça
fria
crendo até em
profecia
e esperar todo o
dia
que a vida por
ironia
decida à revelia
trazer numa
ventania
toda a sua rebeldia
pra esta cama macia
onde descanso a
agonia
e atiço o meu
feitiço
quietinha
sem rebuliço
só pra lhe ver
submisso
Dá nisso!
ps: Eu acabei
selecionando estes dois poemas da Elza Fraga por observar uma certa coerência, achá-los
complementares. Para mim eles são um só (eu sou humano e também posso me
equivocar).
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