sábado, 21 de março de 2015

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Os poemas prediletos do valente Hulk


              
Gosto de observar os detalhes. Os gestos singelos e os seus desdobramentos, a teia sutil que liga os acontecimentos (ou serão coincidências? Apenas algumas parcas minhocas se contorcendo aleatóriamente na minha telha quente?).
           
Desde a semana passada, navegando pelo FB, como de costume, venho observando os ânimos exaltados, as pessoas em pé de guerra, umas contra as outras, todos irritadiços com os problemas desses nossos tempos (difíceis). E eu tenho tentado me preservar, não me meter em discussões que estão além da minha alçada, sentindo meu próprio fardo já pesado o suficiente.
                
Eis que eu me pego, então, observando a figura da linda personagem de um conto de fadas que minha amiga Isadora Trombeta Fagá – funcionária da EESC/USP e doida por literatura, pelos filmes, pela arte – postou e, sem me atentar para o que estava escrito junto à figura, com o dedo no mouse, como que num impulso, cliquei em “curtir”.
                   
As horas se passaram, eu já nem me lembrava disso, quando recebo da Isadora uma mensagem inbox:
                 
“Oi Xerxes, como vai?”
                  
“Aí vai o desafio, se quiser participar:”
                   
“O desafio se baseia em você colocar a foto de um personagem que vou te designar e escrever isso: Tenho a intenção de encher o Facebook de desenhos animados para interromper a saturação de imagens e vídeos negativos. Se eu receber um ‘curtir’ vou escolher um personagem para você.”
                        
“Escolhi o valente Hulk pra você postar!”
                      
E eu, que tenho andado um bocado pra baixo, um fujão, covarde, cá pelos meus próprios motivos, fiquei até entusiasmado, animado com o “valente Hulk”; e pensei com os meus botões, até que a ideia é boa! E segui adiante.
                      
Daí foi a vez do meu amigo Andre Albuquerque – médico e contista de responsa – cair na armadilha. Então eu enviei a tal mensagem inbox para ele:
                     
“blah, blah, blah, blah....”
                     
“Escolhi o veloz Papa Léguas pra você postar!!”
                       
E tive como resposta:
                      
“Kkkkkkkkkkkkkkkkk”
                              
Imagino o André pensando, esse cara é doido de pedra, uma corrente de desenhos animados, que porra é essa?!
                          
Uns dois dias se passaram. Só então eu percebi que estava completamente equivocado: vi o Papa Léguas do André passando veloz como um raio. E, na sequência, o seguinte post no meu mural:
                 
“Jorge Xerxes, dando continuidade No âmbito de uma CORRENTE POÉTICA a que me ligaram, deixo aqui um poema seu e passo-lhe a missão de continuá-la:”
                  
“- durante 4 dias divulgue um poema (por dia) e desafie um poeta (por dia) a dar continuidade a este sarau virtual.”
                     
Daí foi a minha vez de ficar de queixo caído! Como assim escolher quatro poemas dentre tantos e tão bons poemas? Como assim indicar quatro poetas dentre centenas deles?
                  
A verdade é que eu fiquei emputecido com o André. Pensei: agora o cara pegou pesado comigo! Fazer o fujão, o covardão aqui, se posicionar, escolhendo os seus quatro poemas prediletos?! Poxa, isso é sacanagem demais. Mas ele vai ver... não vou deixar barato... e decidi que eu iria levar o desafio às últimas consequências.
                   
O resultado vocês leem abaixo. Revendo as minhas escolhas, eu percebo como se tratam de poetas de carne e osso, com fraquezas, temores, vícios e virtudes; enfim, seres humanos. Você poderia topar com um deles por aí, no corredor, na fila do banco, sentado num banco da praça e sequer se dar conta disso.
                       
Mas acredite: Eles existem.
                         
Só o Amor a Vida Nos Une!!
                    
                   
<<<  Rastros da noite  >>>    Betusko
        
Caminhar sobre vozes pegajosas
tropeçar em horas lentas
esmorecer na sombra da preguiça
até soltar um sonífero bocejo
ante a crua espera da luz da lua
e aplacar o longo desejo
de ver trincar o céu
em milhões de estrelas
exuberantes, singelas
que descem em delírio
como regidas pelo vento
e lavam as cabeças,
escorrem alma adentro,
levam os pecados
e depois, tanquilas
evaporam-se sorrindo
em rastros helicoidais
madrugada adentro
abandonando o sereno
em suas gotas humildes
na triste tarefa de abafar
o sonho e a fantasia
no coração dos boêmios.
         
         
<<<  De joelhos  >>>    Theresa Russo
        
De joelhos.
No chão!
Tu mereces ser muito bem fodida.
Empurro-te as ancas a responder-me como égua de quatro no quarto em penumbra.
Nesse fim de tarde, as rochas estão se rachando em fendas duras.
A tua, como carne aguada, quente fissura de fêmea no cio geme por meu entrave.
Não tenho sequer dó de tua carne.
A bela bunda emoldura de raios de sol me convida a dançar o amor.
Teus cabelos negros, lisos e inertes me imploram para viver.
Puxo-te a crina com a mão esquerda e te penetro com meiguice impaciente.
Teu riso de sol me transporta e agora sou teu macho alado a planar em teu universo azul.
Vem juntar-se a mim nessa viagem infinda a buscar todo o prazer que contém os céus prometidos.
Grita, chora, geme, reclama, proclama que teu gozo é teu,
mas é meu teu gozo com gosto de amor nosso.
Vira-te.
Quero entrar nos teus olhos e te espreitar por dentro.
Não me contenta o gozo limitado de mim mesmo em tuas fendas de carne.
Quero também comer tua alma de mulher, de menina, de puta, de santa.
Escuta a ti.
Ouve teu gemido.
Há um coro de anjos no retorno de nós.
Quanto mais entro em ti, mais sou teu.
Quanto mais me devora a carne fluida da imaginação, mais sou teu e tua.
Não me contenta teu sofrimento de crina estendida a esticar o couro cabeludo e a mente ardendo da paixão.
Reteso a palma das minhas mãos com marcas de mim mesma.
Espanco-te as nádegas para te castigar por teres roubado minha vontade de nada ser.
Sei que teu gozo vem galopando de encontro ao meu.
Seguro algo em mim a te esperar meu doce amor.
Não estás como a menina dessa manhã de hoje a transparecer o medo de viver.
Estás como Deusa, como Maria Quitéria, como Bárbara de Alencar,
como Afrodite
em teu reino a reinar.
És tão linda que dói dentro de mim essa beleza de ti.
Estás tão deliciosa que passaria anos num deserto a jejuar para esperar a tua carne e devorar.
Teu corpo padece com as estocadas e a força da minha surra.
Goza meu amor.
Goza tudo.
Meu presente de amor para ti nessa tarde de nós dois...
         
         
<<<  Tarja Sulphorósa  >>>    Ricola de Paula
          
Quilômetros de sedimentos estão depositados
nos tubos de ensaio das redes sociais.
Sei que emburreço nesse carnaval de ofertas,
Esgotado saio antes do recuo da bateria.
           
Surra neles! Chicote de cainana
barba e cabelo, outra cilada
com pouca grana.
          
Sicário não deixo rastros na cripta
do seu desleixo.
São tiras de papel de embrulho.
Papiro, intrigo
Torpes pombos sacio.
          
Um bom exorcismo abrirá
Novos caminhos,
Água benta sanitária
dissolvendo as ladainhas.
           
Esquálido pensa palavras estranhas
Abafa o diálogo interno que estimula
O irromper, o desistir.
esquálido pensa palavras estranhas
Eucaliptos glóbulos angu de mescalitos
Sambaquis e linfa pasteurizada.
           
Segura na mão uma granada
Sentinelaaaaaaaaaaaaaaaaa.
A explosão dos significados.
O refil da bagaça neném
A cuca já vem pegar.
              
              
<<<  IMACULADA  >>>    Elza Fraga
              
Todos os orifícios
tomados
maculados
conformados
com a sorte
            
sabendo que o gozo
é rápido
           
como a morte
              
               
<<<  DÁ NISSO  >>    Elza Fraga
             
Correr atrás de você
a cada novo sumiço
até perder todo o viço
afinalar meus cambitos
nos becos mais movediços
forçando um compromisso
enquanto escorrego omisso.
            
Rezar na sua cartilha
ceder a sua ousadia
perder a cabeça fria
crendo até em profecia
e esperar todo o dia
que a vida por ironia
decida à revelia
trazer numa ventania
toda a sua rebeldia
pra esta cama macia
onde descanso a agonia
             
e atiço o meu feitiço
quietinha
sem rebuliço
só pra lhe ver submisso
            
Dá nisso!
              
              
ps: Eu acabei selecionando estes dois poemas da Elza Fraga por observar uma certa coerência, achá-los complementares. Para mim eles são um só (eu sou humano e também posso me equivocar).

  

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