Carlos Davissara é paulistano, graduado
em Artes, nascido em 1981. Em 2008, no estilo faça você mesmo, publicou e
editou 3 contos selecionados, em 2009
publicou na coletânea Dimensões.br - Contos
de literatura fantástica no Brasil, pela editora Andross, em abril deste
ano lançou seu romance infantojuvenil Uma
mentira de pernas bem longas (Penalux). Ele é o editor do blogue “Moleca-Meleca
e Moleque-Chiclete”, destinado ao universo da literatura infantojuvenil. Foi
vencedor do concurso de curta-metragem, em 2010, do prêmio Festival Paulistano de Vídeo nas Escolas.
Em
2013 você criou o blog Moleca-Meleca e Moleque-Chiclete, esse momento pode ser
considerado a afirmação de um compromisso entre você e a Literatura Infantojuvenil?
Com certeza! Porém, mais do que um
compromisso com a Literatura Infantojuvenil, firmei um compromisso comigo
mesmo, o de não mais protelar meu anseio de viver em função do livro e da
Literatura. O blog foi uma estratégia para me manter na ativa, para manter-me
sempre escrevendo ou estudando escrita, de não deixar a peteca cair. Sabendo
que existem leitores do blog esperando publicações, mesmo diante do desânimo
que às vezes aflige a nós escritores, faço um esforço para continuar buscando material,
aperfeiçoamento, informações úteis para criar postagens interessantes. É como
se o blogue me “obrigasse” a seguir escrevendo, mesmo com todos os obstáculos.
Ainda bem que é uma obrigação prazerosa, rs... A opção pela Literatura
Infantojuvenil foi consequência da minha paixão por essa área, iniciada com
mais firmeza em 2009, com o nascimento do meu filho, momento no qual passei a
ler muitos livros infantis junto com ele. Obrigado, Davi!!! Agora, falando em
compromisso, meu desejo maior com o blog e meus estudos é fazer com que as
pessoas deixem de lado certo preconceito que há acerca dos livros
infantojuvenis. A maioria dos adultos passa longe deles. Acham que não são mais
crianças, então, por isso, não precisam ou não vão gostar de lê-los. Mal sabem
que caem num imenso engano. Nem imaginam o que estão perdendo...
Sendo
editor de um blog, por que sentiu a necessidade da publicação de um livro em
formato físico?
Na verdade, a vontade da publicação em
livro é anterior à vontade de criar um blog. Esta veio em consequência daquela.
Como mencionei lá atrás, além de afirmar o meu compromisso com a Literatura
Infantojuvenil e comigo mesmo enquanto escritor, o blog foi uma forma de começar
a ter um currículo literário mais expressivo. Nos tempos atuais, é quase
impossível imaginar um escritor que não está presente na internet. Contudo,
acredito que o internauta tem um perfil leitor diferente de quem lê o livro
físico. A sensação que tenho é que a maioria dos leitores de internet não estão
dispostos a gastar muito tempo na leitura de textos virtuais, sobretudo em se
tratando de ficção. Ao menos é o que se nota no Brasil. Em outras culturas há
casos não tão raros de autores que conseguem milhões de seguidores na internet
e só então partem para o livro físico. Em nosso país há ainda certa aura em
torno do livro físico que o torna o certificado que diz se alguém é mesmo
escritor. Escritores apenas de e-books parecem ter menos prestígio por aqui,
infelizmente. E a verdade é que o livro digital não emplacou no Brasil. Sendo
assim, foi inevitável ir à busca de uma publicação tradicional.
Obviamente
que antes do escritor há um leitor, como este leitor diferencia os textos lidos
na web dos lidos no formato físico no que diz respeito à recepção?
Prefiro o livro físico. Já li alguns
e-books, mas digamos que não me senti muito à vontade com eles. E é curioso como
sempre tenho a sensação de que o livro digital está com o texto alterado, rs...
Sinto que algum hacker pode ter acessado o arquivo e mudado o texto e, daí até
você descobrir se isso aconteceu mesmo, fica a dúvida e a insegurança de não
estar lendo a obra 100% original. Sim, eu sei, é meio paranoico, rs... Agora,
se formos falar de Literatura Infantil, acho inconcebível se apreciar um livro
ilustrado em formato digital. Para se ter ideia do que isso implica, basta
analisar o catálogo da Cosac Naify (a meu ver, a melhor editora de livros
ilustrados do Brasil). Há diversas nuances de um projeto gráfico que só são
possíveis com o livro físico, tais como textura do papel, tamanho, cores
metalizadas, aromas, capas e encadernações diferenciadas... É claro que minha
opinião tem muito de um leitor enraizado em outra época, mas, como nos livrar
de nossas raízes?! Fico extasiado quando tenho a oportunidade de manusear um livro
com um projeto gráfico requintado. As sensações são as mais variadas e
agradáveis.
Em
seu romance recém-lançado, logo no título aparece um tema que pode remeter a um
conteúdo moralista (A mentira). Você considera que obteve êxito ao desenvolver
a narrativa sem cair nesta armadilha?
Acredito que sim, apesar de não ter me
preocupado tanto com isso. A protagonista da história é uma garota de 10 anos,
então só tentei mostrar um contexto plausível para alguém nesse perfil. No
caso, com pai, mãe e irmão na história, e a menina sendo a filha caçula, era
inevitável mostrar as conseqüências da mentira que contou em sua família. E os
pais tinham de intervir, enquanto adultos, no sentido de querer ensinar algo à
filha com toda a confusão criada. Digo “tinham de intervir” pelas
características que dei a eles, sobretudo à mãe, que é muito rígida. O lógico,
então, era que a menina recebesse uma lição de moral. Essa lição aconteceu, mas
de maneira natural, como uma mãe rígida faria. Enquanto escritor, tive apenas
que me preocupar em criar falas plausíveis para as personagens. Se não fosse
assim, talvez os pais da garota parecessem mais com robôs dogmáticos do que com
pais reais. E isso, sim, seria horrível para a história e desrespeitoso com o
leitor.
Recentemente
a Federação do Comércio do Rio de Janeiro apresentou uma pesquisa que mostra o
dado de que 70% dos brasileiros não leram em 2014, somando este fato ao
crescente número de analfabetos funcionais. Para que serve um livro neste
cenário cultural?
O livro, no âmbito literário, evidencia
o eterno estigma contido na arte como um todo, o de não possuir uma utilidade
em si. O objeto artístico não se encerra nele mesmo, sozinho ele não é nada. Um
texto literário só se completa e tem significado na sua relação com o ser que o
consome. Só assim ele vive. Portanto, é mais do que óbvia a necessidade de se
fortalecer essa parte indispensável do mundo da escrita, que é o leitor. Infelizmente,
nesse sentido, nosso país apresenta um quadro bem alarmante e que é
generalizado, como mostra a pesquisa (e eu já vi números bem piores...). Em tal
situação, o livro assume o papel de um produto de resistência, liberdade,
emancipação, amplitude, afeto, coragem, luta, amor. No Brasil, atualmente, só
se dedicam à Literatura aqueles com boa dose de ternura e esperança no
espírito. Do contrário, para que colocar uma obra literária no mundo?
Já
é amplamente sabido que por trás de um livro nem sempre há uma intenção
artística, quando focamos o universo infantojuvenil este problema, talvez, seja
agravado. Como o seu romance se encaixa neste cenário editorial?
Escrevi minha história sempre tendo em
vista, muito claramente, a quem eu me dirigia, quem seria meu futuro leitor.
Quando se escreve textos infantojuvenis (talvez não só os infantojuvenis), tem sempre
que se ter isso em mente. A criança e o adolescente possuem uma percepção de
mundo diferente do adulto, limitada pela falta de experiência. Entretanto,
mesmo essa “percepção limitada” é muito intensa, tem carga emotiva profunda
(obviamente, compatível ao contexto sociocultural da idade). Assim, ao escrever
para esse público, há que se chegar a um equilíbrio, não menosprezando a
inteligência do leitor, mas sem exagerar na complexidade. Foi isso o que
busquei no meu livro. Nele, alguns dramas da existência humana estão
condensados na protagonista, porém, são expostos de forma sutil, em harmonia
com a fluência do texto e da história. De forma geral, posso dizer que busquei
criar uma narrativa muito humana, sob a perspectiva de uma garota de 10 anos. E
ser humano aos 10 anos tem certas sutilezas já difíceis de serem enxergadas por
adultos. É aí que se manifestam a magia e a arte em minha história.
Em
Uma mentira de pernas bem longas você
criou as ilustrações que integram a obra, a experiência de uma publicação
independente te deu a confiança e retaguarda para estender sua mensagem para
além das palavras?
Sempre estive ligado ao universo da
criação artística, seja com a atual escrita, ou com música, artes visuais,
vídeo, teatro, dança... E meu percurso se construiu pela vontade constante de
fazer diferente, de imprimir meu jeito nas coisas, deixar minha marca de
autoria. Essa aura de independência se manifestou de várias formas – umas por
vontade própria, outras por não haver opção. No caso do meu livro, eu
preferiria que outro artista o tivesse ilustrado. Entretanto, nem eu nem a
editora tínhamos condições de bancar esse trabalho, então, não tive para onde
correr, rs... Ou era eu ou ninguém! Pelo teor do livro, era certo que não
ficaria legal sem ilustrações... Foi aí que decidi assumir mais esse desafio e
fazer por conta própria. No fim, achei o resultado até legal. Valeu o esforço!
Muitos
autores contemporâneos quando questionados sobre suas influências se referem
apenas aos clássicos. Quais são os autores da literatura infantojuvenil
contemporânea que você admira?
Uma autora que me impressionou muito
quando conheci foi Kate Dicamillo. Ela possui um jeito de contar histórias de
fazer inveja. A primeira obra dela que li foi “A Extraordinária Jornada de
Edward Tulane” e, ao final, só pude dizer: “Uau! Que livraço!”. A autora expõe
de forma excepcional a dor e a beleza da vida. É uma escrita muito sensível. Outro
livro dela, mais conhecido e tão belo quanto, é “A História de Despereaux”.
Outro autor excepcional é Shaun Tan.
Este tem o diferencial de ilustrar seus próprios livros. E que ilustrações!
Suas obras, incluindo texto e imagem aí, são profundas, filosóficas, humanas,
subjetivas, transcendentais... Algo de encher os olhos e o espírito. Dois
livros lindos dele são “Contos de Lugares Distantes” e “A Chegada”.
Por fim, gostaria de citar um autor que
conheci mais recentemente: David Walliams. Admiro-o por conta de sua imensa
criatividade e pela capacidade de conquistar leitores com suas histórias. Alguns
o chamam de “novo Roald Dahl”... Aos que conhecem o criador de “A Fantástica
Fábrica de Chocolate” e “Matilda”, podem imaginar do que estou falando...
Alguns livros de Walliams que já li e gostei muito são: “Vovó Vigarista”, “O
Menino de Vestido” e “O Menino Bilionário”. Leituras deliciosas!
O
que há de busca de si mesmo em escrever para o público infantojuvenil?
Difícil pergunta... Talvez eu escreva histórias
infantojuvenis tentando resgatar o garoto extremamente alegre que já fui, que
fazia piada de tudo, que gargalhava fácil e hoje encontra dificuldades para dar
um simples sorriso. Esse deixar-se levar da infância, da intensidade do
momento, do brincar sem pretensões, do brigar e fazer as pazes em seguida...
Isso é belo e distante para mim. Por mais que eu tente, meu cérebro já tão
deturpado de adulto não permite que esse menino volte plenamente à aura do
Carlos Davissara. Talvez a Literatura Infantojuvenil ao menos amenize essa
angústia, pois posso afirmar que estou tentando encontrar esse garoto do
passado, estou sendo sincero e atento às minhas dores. Sei lá... rs... Meu
filho também ajuda muito nesse sentido. Mais uma vez: obrigado Davi! Brincar
com você é como escrever uma boa história infantojuvenil, filho!
O
que há na literatura de Carlos Davissara?
Há o próprio Carlos disfarçado em dores,
personagens, alegrias, cenários, carinhos, diálogos, lutas, toques, sussurros,
poesia, risos, máscaras, cheiros... É claro que é um disfarce bem caprichado,
rs... Mas eu estou lá, de uma forma ou de outra. Agora, indo mais fundo, diria
que a essência do que escrevo questiona e reflete a natureza conflituosa da
condição humana, com todas as suas belezas, feiuras e contradições, algo que me
angustia e fascina.
Para finalizar, quero agradecer a
oportunidade de apresentar um pouco da minha trajetória nesta entrevista.
Contatos podem ser feitos através do melecachiclete.blogspot.com.br ou por
email em carloseducador@hotmail.com.
O livro UMA MENTIRA DE PERNAS BEM LONGAS pode ser adquirido no site da Editora
Penalux ou diretamente comigo. Obrigado e um forte abraço!
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