segunda-feira, 4 de maio de 2015

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Pequenas histórias 143

 
 
 
 
 
Pois é
 
 
 
 
 

Pois é, mais um dia que avança com seus maléficos dons viciando-me a viver intensamente como se fosse o último dia da minha vida.
Mais um dia calcinando as ausências que bipartem o coração de saudade em cada filigrana do sol aquecendo o gelo em meu peito.
A cidade com seus sons múltiplos e confusos, com sua luminosidade cinza e opaca, com seus gritos de angustia e fome, com sua pequena grandeza efêmera, com seus campos e edifícios multiplicando beleza e feiura, não me compreende como tento compreendê-la sem racismo e preconceito.  
No celulóide cinematográfico, numa sequencia de vinte e quatro quadros por segundo, a cidade me consome marginalizando em cada esquina uma história sórdida. Assim minha filmografia aos poucos se atualiza nas prateleiras dos cinemas dos amigos, eternos coadjuvantes assim como sou coadjuvante na filmografia deles.
Não há obra prima, não há drama oscarizado, não há comédia pastelão, apesar de certo humor, não há suspense, apesar dos sustos ocasionais, não há intrigas sensacionais, não há aventuras espetaculares, não há animação de qualidade, não há musicais como os de antigamente, os gênios tomaram o trem azul.
E, jogado sem eira e sem beira, entre trancos e barrancos vou à margem do gosto de uma intelectualidade cultuada em desgastantes programas televisivos.  
Colho a argamassa mal feita, colho o rímel das prostitutas travestidas de desejos, colho os orgasmos transparentes da ansiedade latente em cada parede de hotel.
E, no silêncio da batuta do maestro, colho a sonoridade do meu corpo em um único movimento suicida de não mais sentir o gosto do teu corpo.

pastorelli

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