quarta-feira, 21 de outubro de 2015

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O FORASTEIRO



Sentada no banco da praça, em frente à Catedral e a Feira do Livro, ouço o sino bater a cada hora, marcando a história do seu povo. Nesse momento, passa o forasteiro pela cidade pequena e de pessoas simples. Segundo Fernando Andrade, “...Não fossem minha língua e a deles,/Seria capaz de ver/tudo a distância: tudo diferente/ E tão parecido, às vezes...”
É o novo estranho que troca olhares com o povo, e sua imagem se desfaz, antes mesmo de falar. Curiosos, todos o seguem com os olhos na esperança de dar uma palavra e assim descobrirmos a que veio até ali. Seria para a Feira do Livro? Para a tarde de autógrafo do escritor Paulo Monteiro? Ou está apenas de passagem?
O futuro é grande mistério e o povo está desconfiado de que ele traz a forma abstrata do segredo. Mas, qual segredo? Os enredos mágicos? Estranhos costumes? Ele povoa o imaginário das pessoas ao não se desvendar.
Pedro Du Bois, no livro Incerteza da Vida, mostra sua visão, “Sou estrangeiro / estranho personagem / vindo de remotos cantos // não trago palavras conhecidas / nem louvo os feitos históricos / faço desconhecidas as glórias/ e abstraio os mitos e deuses // não me reconhecem na igualdade/as mãos são recolhidas /sorrisos fechados/ cerradas as portas// sou estrangeiro com desconfiança...//não trouxe palavras de alento / nem a rima a métrica e o motivo.”
Vejo que o forasteiro encara a vida onde carrega a sua fome e, dentro da mochila, traz a história e a desconfiança. Passa para as pessoas, entre tantos, o medo para com o estrangeiro, levando-as a esquecer dos gestos de igualdade, porque não o acolhem. Sentem-se invadidas em seus espaços. Procuram explicar-se pelos difíceis caminhos da incompreensão, marcados pela sinceridade com que demonstram serem incapazes de perceber o estranho em si mesmas. Nada lhes escapa: o modo de vestir, de andar, a cor dos olhos, o comprimento do cabelo, o cheiro, a sujeira e a falta do nome. O forasteiro alterna os tempos das passagens na revelação do segredo: a verdade aos olhos da incerteza, onde as memórias se confundem como n’O Forasteiro de Walmir Ayala, com ilustração de Siron Franco (Coleção Arte para Criança).
Esse mundo feito de palavras e cenas que se transforma pela qualidade da prosa e poesia, o forasteiro é alguém que subitamente chega a um lugar sem voz e espalha sua imagem com seu estilo, reivindicando espaço como personagem e buscando algo ainda diferente numa sociedade que “pensa” se tornar cada vez mais igual.
Nas palavras de Ailton Maciel, “Numa noite calma de algidez cortante,/de tétricas visagens a vagar,/passava assobiando um viandante/entre insetos noctívolos a voar!// De repente... parou por um instante/e, tácito, ficou a meditar:/Pra onde irei em passo ofegante,/se não tenho um casebre onde pousar!?//Pra onde irei? todos me querem um dia,/depois me deixam sem pousadia,/à procura de um lar sempre a errar?// ...E saiu a correr o viajar./ O seu nome reluzente era o amor,/meu coração, coitado, era o seu lar.”

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