Luka Magalhães
Escobar Franelas é uma das
figuras mais presentes e importantes dentro da produção cultural realizada na
zona leste de São Paulo, ele faz
parte da coordenação da Casa Amarela - Espaço Cultural, membro do coletivo de
audiovisual Lentes Periféricas, fotógrafo amador e escritor. Publicou o livro
de poemas hardrockenroll (Scortecci,
1998), o romance Antes de Evanescer
(Scortecci, 2011) e o livro de história Itaquera
- Uma breve introdução (Kazuá, 2014).
Escobar, de certa maneira você personifica
a afirmação de que o homem é um ser coletivo participando de diversos projetos.
Quando você se defronta com a solidão artisticamente e como lida com ela?
EF: Eu diria que naturalmente sou
solitário. E foi essa solidão que me levou à procura de canais para a
expressão. Parodiando Sartre, diria que o homem é um ser condenado a se
expressar. E a arte - pensada como interferência do ser no meio social - pode
ser entendida como meio e fim para que essa expressão aconteça.
Se os
nativos não eram escravizados pelos padres, e se estes mesmos padres os
protegiam na luta contra os colonos que pretendiam escravizá-los a todo custo,
tampouco havia liberdades de escolha (Itaquera
- Uma breve introdução, pg. 19). Se
acrescentarmos os pastores protestantes dentro deste imbróglio e a expansão
evangélica dentro da zona leste do final do século XX pra cá, podemos dizer que
nos genes indígenas que todos carregamos, a população da zona leste herdou esta
sinuca de bico?
EF: Putz, você tem razão, total razão!
Isso tudo parece até um encadeamento macabro e confesso que vou mais além: esse
problema não é só da zona leste, nem só das periferias, tampouco apenas do
Brasil. Veja as questões recentes das agressões ao Suplicy na Livraria Cultura;
a tragédia em Marina, MG; este ato tosco contra as vida humans em Paris. E as
exclusões xenofóbicas que estão batendo transformando o sul da Europa num cemitério
de crescimento exponencial!
Tudo isso é
retrocesso, volta à animalidade que supúnhamos ter sido resolvida, todavia, a
evolução humana não acompanha o avanço tecnológico, e volta e meia, tudo
recrudesce e volta duzentos anos para trás.
Antes de ter contato com o seu livro de
história, uma senhora havia me dito que a Avenida Marechal Tito se chamava
Rodovia Rio-São Paulo, demonstrando a força da cultura oral. No lançamento do
livro você disse que aquela era a primeira parte de um projeto que tinha como
intuito construir uma trilogia, a qual seria concluída com a coleta de
depoimentos dos moradores mais antigos da região de Itaquera. Como anda este
projeto?
EF: A citação da Estrada Velha São
Paulo-Rio é um excelente exemplo de como a história oral também é um documento
sério para elucidarmos o passado, trazendo os saberes não oficiais para a troca
e a citação. Quanto à trilogia, diria que está a contento, talvez um pouco
atrasada, mas dentro de uma certa previsibilidade. O projeto que tenho em mente
prevê uma nova obra mais ou menos em 2017, abarcando as mudanças radicais
observadas em Itaquera entre os anos 2007 a 2016, e outro, de memória oral, que
virá depois, talvez daqui uns cinco, seis anos.
Em algumas das crônicas (Como escrever poesia e Escrever, verbo intransitivo) que
recortam Itaquera - Uma breve introdução,
você menciona o problema do escritor diante do seu processo criativo. Tal
reflexão sinaliza um não para a zona de conforto dentro do movimento criativo
do pensar?
EF: Tenho um prazer enorme em escrever.
Escrever qualquer coisa, seja um texto jornalístico, poema, crônica, conto,
ensaio etc, me leva a esse êxtase. A “artesania”, o escalavrar a palavra, o
ritual da escritura, a ordenação do sentido no texto, tudo isso me dá uma
sensação de pânico e inquietude que só se resolve quando o texto fica pronto. E
a completude, nessas condições, passa a ser um oásis, talvez o que para mim
represente a ideia do paraíso edênico.
Antes
De Evanescer é uma narrativa ficcional que se desdobra partindo de um fato
real: Os ataques do PCC em 2006. Como o historiador colabora com o ficcionista
e vice-versa?
EF: Quando escrevi o Antes de Evanescer, no auge dos
problemas em 2006, na verdade nem sonhava em cursar História, o que vim fazer
só três anos depois. Mas se pensarmos as coisas em termos lógicos, me parece
óbvio que a observação aguda do tempo, matéria essencial para quem se propõe a
historicizar as coisas, já estavam lá, comigo.
Seja como for, o
enredo, apesar da tragicidade real, foi um desvario meu, e que algumas
conjunções de situações e vivências me levaram a um cruzamento de
improbabilidades. E aí, não digam aos que poetas que uma coisa não é possível!
Pois o desafio amplifica as possibilidades a serem exploradas. Foi o que fiz:
naqueles dias conturbados, me peguei pensando nos acasos que podem mudar
consideravelmente o curso de uma história que parecia bem previsível. E escrevi
sobre isso.
No fundo no
fundo, confesso que tudo o que quis foi contar uma história de maneira o mais
crível possível. Será que consegui?
Conseguiu, Escobar!
Com o coletivo Lentes Periféricas, você
lançou o documentário Doc.Cine Campinho,
o qual tem sido exibido em alguns eventos. O próximo projeto é produzir um
documentário sobre o M.P.A. (Movimento popular de arte). A quantas anda a
produção deste trabalho?
EF: Estamos finalizando a captação de
entrevistas, agora vamos para a pesquisa dos acervos e pós-produção (edição de
vídeo, de áudio, finalização, lançamento e distribuição). Para retomar este
filme - que iniciei por volta de 2009, 2010 e depois parei, por falta de
dinheiro e parceiros - a presença do Lentes foi fundamental. Mas para esta
etapa final, a pesquisa iconográfica vai ser um tanto demorada e meticulosa.
Para isso criamos uma campanha no Catarse (https://www.catarse.me/mpa) para
podermos arrecadar uma verba e viabilizarmos o projeto do jeito que almejamos e
que acreditamos que ele mereça ser finalizado.
Você escreveu o prefácio do livro de poemas
Amador, do Rafael Carnevalli, lançado
neste ano. Qual a importância de movimentos como o M.A.P na ocupação e
ressignificação dos lugares públicos para a divulgação da poesia?
EF: O Movimento Aliança da Praça é um
combustível que mantém vivo a utopia de nossos mentores/genitores/educadores. O
MAP (do qual o “Amador” Rafael Carnevalli é um líder inconteste, emblemático e
carismático), apropriou-se da chama intensa da cultura local, já vivido em
outros tempos, e a manteve acesa, acrescentando novos elementos, oxigenando as
relações coletivas e individuais na significativa Praça do Forró e seus
entornos.
Os saraus que ocupam a cidade de certa
maneira reaproximam a poesia da cultura oral? Funcionam eles como uma oposição
a interpretações estreitas dos conceitos do concretismo?
EF: Os saraus são significativos pois:
a) recuperam o protagonismo do ser enquanto artista, em seu meio e no seu
tempo; b) retiram o fundamento financista que tem sido o mote-mór da expressão
dita como artística na contemporaneidade ocidental; c) mantém viva a chama do
encontro, do abraço e do aplauso; d) estabelecem um novo paradigma ao colocar
no mesmo palco e diante da mesma plateia o “profissional” e o “amador”, o
ser-artista e o estar-artista.
Como se deu o seu contato inicial com o
poeta e parceiro na Casa Amarela Akira Yamasaki?
EF: Desde as minhas primeiras andanças
em São Miguel, a figura mitológica do Akira já pairava sob o céu acinzentado
pela Nitroquímica. Logo a seguir, tive a oportunidade de conhecer sua esposa, a
Sueli Kimura, que dava oficinas de dança. Ela, Sacha Arcanjo e Raberuan foram
as pontes que me ligaram umbilicalmente a Akira.
Hoje temos essa
parceria, na cogestão da Casa Amarela. Conviver com ele é ter aulas diárias de
explosões poéticas sem rebuscamentos desnecessários, é poder apreender frações
da beleza da catarse e beber em haustos aulas de práticas cidadãs.
É comum ouvir dos frequentadores da Casa
Amarela, que lá há uma aura mágica que se instala quando os eventos são iniciados,
você também sente isso? Como explicá-la?
EF: Creio que tudo isso é mais
sensorial, intuitivo. Não dá, portanto, para explicar ou justificar em
palavras. O “ficar nu” diante das possibilidades propiciadas pelo êxtase
artístico talvez seja uma resposta viável. Mas desconfio que isso tem a ver
também com outras situações, esse lance de basear-se naturalmetne nos
princípios da cultura da paz, do sorriso extravagante, da não politização e não
capitalização do ambiente, que faz com o espaço fique mais arejado, sei lá!
Talvez seja tudo isso. Ou simplesmente porque a Poesia pra mim (pra nós) é
também um ímpeto sagrado, na qual comungamos com o mesmo prazer. Ou, mais
modestametne falando, talvez seja porque simplesmente o lugar que, por diversos
caminhos e circusntâncias, junta as pessoas certas no momento certo. Ou talvez
nem seja isso e a resposta seja um mistério. E os mistérios ajudam a alimentar
o mito, o suspense, o exercício da futurologia.
Quem é Escobar Franelas?
EF: Um personagem em busca de um autor.
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