sexta-feira, 6 de maio de 2016

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Pequenas histórias 217.

Todos os dias



Todos os dias ao descer do fretado ou, como dizem alguns, do buzão, sente a manhã diferente de todas as outras manhãs. É algo sem explicação, parece que a força da manhã, assim como, a força da calçada, das pessoas nas suas preocupações, dos carros, dos fretados, das faixas de pedestre, dos edifícios, em fim, de tudo o que seus olhos presenciam, o revigorem proporcionando uma maneira de olhar, de ver, de sentir a vida diferente de todas as manhãs que já presenciou.
Não se importa de passar oito horas prisioneiro com a coleira pendurada ao pescoço, não importa cortar folhas de papel de sede ou, perfurar documentos atrás de documento pateticamente idiota. O que não pode deixar é que arrefeça sentir a força das manhãs infiltrando na pele.  
Descobre que não pode viver sem tudo isso. Melhor dizendo, ele é tudo isso, é cada miligrama de ações preenchendo as manhãs; ele é o fretado que o deixa na calçada nova da Paulista; ele é a calçada sendo todas as manhãs pisadas por diversos pés; ele é cada um desses pés indecisos, decididos, frustrados, preocupados; ele é cada pessoa que transitam sua indolência matutina em busca do que não sabem o que buscam; ele é cada carro transitando corpos suados, marotos, belos, gordos ou magros; ele é cada pedra que sustentam os edifícios prisão; ele é cada banca estacionada nas esquinas vendendo cultura barata; ele é cada bar ou boteco oferecendo prazeres inusitados a quem se propõem etilicamente a pagar; ele é cada olhar prostituto nos desvão da discrição a caça sexual; ele é cada braço, mão, boca e sexo se oferecendo a outro sexo os prazeres da carne paga ou gratuitamente entre as árvores do Trianon.
E todos os dias ao descer do fretado, está preparado para mais uma cena no celuloide da sua vida.

pastorelli

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