domingo, 3 de julho de 2016

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Pequenas histórias 228

A menina que roubava



A menina que roubava livro permanece quieta na poltrona ao lado. Interrompeu a leitura por não estar se emocionando com a história da menina vivendo com pais de criação e, que para aprender a ler, roubava livros. Preferia olhar a paisagem rolando além da janela do ônibus. Observar os carros que passam com seus ocupantes preocupados ou não com a vida, o que cada um deles pudesse estar imaginando, pensando, as histórias que não podia ler e, que talvez, quem sabe, viesse um dia escrever, era mais interessante do que a menina ladrona. Os ônibus transportando corpos cansados do sono mal aproveitados. O que passaria pela mente de cada pessoa? Como seria a historias deles?  Os prédios cada um com sua trajetória de vida, margeando a radial com seus mistérios arquitetônicos, com a aparência de abandonados compondo a instantânea vida! O que estaria acontecendo em cada janela fechada, meio aberta ou totalmente aberta? O que aconteceria naquele instante?
Quantos solitários estariam naquele momento abrindo os olhos sonolentos, sacudindo a poeira noturna, se preparando para enfrentar mais alguns quilômetros de estrada? Quantos angustiados não estariam agora massageando o sexo diante da latrina despejando suas imundícies?  Quantos? Quantos não estariam interrompendo o ensurdecedor rádio relógio? Quantos não passaram a noite insone pensando em suicídio ou se embebendo para espantar o fantasma da solidão? Quantos não estariam se jogando no vácuo querendo abraçar o mundo dos sonhos? Quantos nasciam chorando no berço desgraçado da fome? Quantos outros nasciam no ouro desprezível pouco se preocupando se amanhã terá fome ou não? Muitos. Vários. Centenas. Assim como morriam centenas, vários e muitos sem ter um caixão para serem enterrados. Afora os indigentes lançados na terra sem parentes!
Tudo isso ele olha pela janela do fretado que corre vencendo a correnteza do transito cumprindo o seu destino. Levando passageiros para cumprirem o destino de cada um. Ele olha pela janela a sujeira dos mendigos dormindo embaixo dos viadutos, sob as marquises das estações, ou mesmo, na calçada sem ter outra coisa para cobrir-se a não serem os encardidos trapos. Ele empunha o celular e dispara a câmera registrando uma São Paulo que ninguém vê.


Pastorelli

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